A décima oitava edição do Clube dos Intrínsecos é um marco literário da editora, estreando o primeiro volume nacional das caixinhas. “O livro de Líbero” é o primeiro romance escrito por Alfredo Nugent Setubal e tem como proposta, pela Intrínseca, agradar leitores que curtem obras como “Cem anos de solidão”, “Peixe grande e suas histórias”, “Reparação”, “Cinema Paradiso” e “A sombra do vento”.
Antes de iniciar a resenha, peço que leia toda ela ouvindo as músicas selecionadas pelo autor, que o inspiraram durante a escrita e que vão te ajudar a mergulhar nessa história.
Pausado é uma cidade com apenas quatrocentos e nove habitantes, distante de tantos outros lugares e despida das tecnologias que surgiam ao seu redor. Um mundo perfeito, surpreendentemente ordenado onde tudo e todos pareciam existir por um motivo, sem faltas ou excessos, onde todas as peças tinham seu devido lugar.
Rodeada de morros, ou seriam colinas, a rotina dos moradores daquele pequeno local poderia ser considerada tranquila, se não fosse a novidade que surgiria em breve em cima daquelas montanhas, tão próximas dos seus afazeres cotidianos.
A chegada do circo.
A diversão poderia ter trazido muito mais do que sorrisos e especulações, mas trouxe escolhas que poderiam ser para sempre.
Principalmente na vida de Líbero.
Líbero Perim é um garoto de onze anos dividido entre sua infância, suas funções na Gazeta de Pausado e as inúmeras histórias contidas na biblioteca particular de seu pai. Ele começa a enxergar seus horizontes ainda maiores devido a experiência adquirida entre os papéis jornal e prensas tipo móveis, do pequeno jornal da cidade, e os livros lidos.
“O mundo real e o mundo dos livros não se misturam, meu filho, jamais”
Mas um livro em especial, de capa dura, em cor vermelha e letras douradas, poderia mudar completamente a sua vida. Ele, que possuía apenas onze anos, transpareceria como um idoso folheando um antigo álbum de fotografias, toda a sua vida já se encontrava ao alcance de suas mãos.
“Você gostaria, Líbero, de ler o livro da sua vida? – perguntei a ele naquela noite. […⦐
E, foi assim, em uma página qualquer, de um parágrafo qualquer, que o amanhã trouxe duas palavras que não deveriam estar ali.
Líbero Perim.”
Uma das coisas que mais chamou a minha atenção durante a leitura de “O livro de Líbero” foi a linha atemporal da narrativa. Não há indícios precisos de que época, ano, mês ou dia ocorre a história.
Os únicos detalhes que podem revelar alguma descrição de tempo são os objetos cenográficos criados pelo autor, como por exemplo, a gráfica de tipos móveis usada no pequeno jornal da cidade de Pausado. E até mesmo fatos sociais, como a soberania da igreja quanto o conhecimento do mundo, definindo o que é de Deus e o que é do mal, como coisas desconhecidas até aquele momento.
A narrativa é contada em primeira pessoa e é dividida em duas grandes partes: uma pela visão de um dos integrantes do circo que se apresentou na cidade, contando sobre a trajetória de Líbero até o momento em que se encontram novamente, e a visão de Rubio, um dos amigos do pai de Líbero, que conta sua trajetória e tem papel importante na história do futuro do menino que há muito tempo não via.
O cenário da história foi propenso para criar a tensão entre os personagens. Em uma cidade tão pequena, as visões sobre futuro se limitavam a muito menos do que teriam coragem de imaginar, e quem possuía uma visão muito mais ampla que a dos outros era considerado mentalmente instável, avoado ou até mesmo lunático.
Nesse cenário limitado a personalidade de Líbero, apesar de ser forte, determinada e decidida foi se tornando incerta conforme a trama se desenvolvia. Os problemas familiares e a pressão sobre seu futuro foram corrompendo o que havia sobrado de sua inocência e houveram momentos que achei Líbero até muito paciente.
O aparecimento de Rubio durante a história foi essencial para entender melhor o que se passava na mente de Líbero durante os momentos de tensão, evidenciando um contato muito maior e mais detalhado com os pensamentos do personagem.
Porém, o reencontro dos dois tornou confuso o entendimento sobre o que acontecera a Líbero tantos anos antes da sua chegada para a reaproximação com seu futuro incerto.
A história em si, apesar de enigmática em certos momentos, deixa bem claro o quanto o poder dos livros pode nos influenciar, seja de forma boa ou ruim. A leitura, sempre presente no nosso cotidiano, pode nos levar a diversos mundos em questões de minutos e trazer experiências inesquecíveis, que serão marcadas para sempre na linha do tempo da vida.
3,5/5
Ano: 2020
Páginas: 255
Autor: Alfredo Nugent Setubal
Idioma: Português
Editora: Intrínseca