A Terra daria sua cartada final e o Universo se encarregaria de fazer todo o trabalho com suas ferramentas divinas, cobrando todo o mal que a humanidade fizera em todos esses anos. Era isso que Ramsey Miller achava que aconteceria na fatídica noite de 22 de setembro de 1991, quando ele próprio assassinou sua esposa e sumiu com sua filha de três anos sem deixar rastros, provavelmente matando-a após o incidente.
“Então aqui está: há quinze anos, neste mesmo dia, houve uma festa, dois assassinatos e uma fuga de lancha. Fora isso, não sei se absolutamente mais nada, e jamais saberei.”
Mas o que ninguém sabe é que Meg Miller está viva e que escapou das garras de seu pai, fugindo do seu único destino: a morte.
Acolhida sobre o nome falso de Melanie Denison, Meg sobreviveu e foi resgatada durante a noite do assassinato de sua mãe, permanecendo escondida durante quize anos de sua vida. Melanie mora com seus tios em um local remoto, no interior de uma pequena vila no condado de Chautauqua, Nova York. Nunca pensou em sair sozinha ou ir para longe, vivendo boa parte de sua vida com medo de que seu pai pudesse encontrá-la viva e terminasse de fazer o que não conseguiu na noite em que o cosmos e o alinhamento dos planetas tornaria a Terra um buraco sem gravidade.
“Ramsey perdeu o rumo. Acreditava numa certa coisa com toda a convicção, e quando não aconteceu…. Bem, todo mundo sabe o que veio depois. Mas ele amava a mulher e a filha.”
Cansada de viver com medo, sem poder viver os momentos que ainda não vivera e sempre esperando que os tios pudessem protegê-la, Melanie resolve ir atrás do seu próprio passado e encarar a realidade da situação: achar seu pai e pôr fim ao medo.
Desde que fora salva, seus tios sempre a instruíram a ser discreta e evitar locais com muita gente, onde seria possível que seu pai, que, na visão dela podia ser qualquer homem de meia-idade, pudesse reconhecê-la e achá-la. Uma coisa era certa: Melanie jamais poderia falar sobre o seu passado com ninguém, mas não deixaria que ninguém levasse o seu futuro.
A história de A Garota Sem Passado, para mim, se tornou muito estranha desde o princípio, não de uma forma ruim, pelo contrário. Estava claro que havia algo estranho ali, que me fez ficar com uma pulga atrás da orelha; o emaranhado das peças da narrativa não fazia sentido absoluto. É claro que os livros de ficção policial criam emaranhados de peças na história, mas não achei que o mistério foi bem elaborado ou bem distribuído.
Desde as primeiras páginas a narrativa deixa bem claro que havia algo estranho e fora do comum, algo que, por pouco, deixaria clara a resolução de todos os problemas, se não surgissem outros, paralelos ao principal. A narrativa é interessante e faz com que a leitura seja fluida, mas eu não classificaria como algo que deixaria alguém acordado 24h, sem dormir, justamente para descobrir o desfecho do mistério.
Acredito que toda a história poderia ter sido desenvolvida de forma mais detalhada e profundamente sutil, de forma que não deixasse claro que havia algo de errado com a história ou com os personagens, que aliás, não são o que aparentam ser e não se classificam como o autor propõe que sejam classificados. Sou relativamente crítica com romances policiais, pois não é qualquer livro que consegue prender minha atenção, me deixar aflita para saber o final de tudo e, que mesmo depois de ter finalizado a leitura, me deixa confusa e sem conseguir digerir todas as informações que foram reveladas.
No caso de “A garota Sem Passado” eu terminei o livro simplesmente pensando: “mas é só isso?”. O que vou escrever agora pode ou não ser considerado um spoiler, mas para mim não faz sentido envolver um personagem que dá sentido e vida a todos os mistérios, problemas, causas e soluções e, depois, simplesmente descartar a presença dele da história, depois de tanta coisa revelada, simplesmente para ter um final fechado, limpo e sem mais problemas.
A história foi contada e os pingos foram encaixados nos is, mas, na minha concepção, faltou explorar melhor o final.
Quanto aos personagens, Melanie (a garota sem passado) foi a que mais se sobressaiu, devido à sua personalidade forte e ao mesmo tempo corajosa. Gostei muito do fato de ela não se satisfazer com meias verdades ou com a falta de informação sobre sua infância conturbada, buscando ela própria a fonte dos mistérios que sempre fizeram parte da sua vida e que lhe causaram tantos traumas durante quinze anos, sem saber exatamente o porquê.
Porém, o personagem mais cativante, e que deu luz a toda a narrativa, foi o Arthur Goodale. Apesar de ele ter apenas introduzido o assassinato e as matérias sobre o caso Miller, do tempo em que era jornalista, e ter servido de apoio para Melanie na busca pelo seu passado, Arthur foi um dos personagens que teve menos destaque; mas que fez muito mais durante toda a história do que boa parte dos secundários que apareceram durante a narrativa.
Vale ressaltar que a maioria dos personagens não são o que dizem ser e isso traz uma dinâmica muito boa para a leitura que é rodeada por mentiras, acusações, ameaças e medo, sem saber quem realmente é confiável ou não. O plot dos personagens é a parte mais interessante do livro e até mais misteriosa do que a própria base da história.
“É assim que nos sabemos vivos: estamos equivocados. Talvez o melhor a fazer seja ignorar se estamos certos ou errados quanto às pessoas e simplesmente deixar as coisas seguirem seu curso. Mas se você consegue fazer isso… bem, sorte a sua.”
E, apesar de ter críticas quanto à construção da narrativa, gostei bastante da leitura e foi muito agradável terminar a história de A Garota Sem Passado em apenas poucas horas, apesar de ter esperado algum detalhe adicional e inesperado. A escrita do autor é extremamente leve e fluida, o que faz com que a história não seja maçante, mas interessante de ler, ainda mais quando há um alternado de presente, passado e visão de mais de um personagem envolvido na trama.
“A Garota Sem Passado” pode ser lido em um dia, ou até menos, dependendo da velocidade da leitura, justamente pela leveza da narrativa. Vale a pena tirar um dia calmo para ler com tranquilidade e tirar a própria conclusão sobre a leitura, porque tenho certeza de que nem tudo parece ser o que é na realidade.
3,5/5
Ano: 2016
Páginas: 304
Autor: Michael Kardos
Idioma: Português
Editora: Arqueiro