Pouco antes de conhecer Jack, Faye fugiu de Fjällbacka, na Suécia, e se mudou para Estocolmo na esperança de deixar seu passado para trás. Em sua antiga cidade do interior não existia mais nada que pudesse prendê-la. Nela havia apenas fofocas, mortes e pessoas que a julgavam pelos acontecimentos que antecederam a sua fuga para outro local. Longe de olhares questionadores Faye pegou o trem de partida para Estocolmo, jurou nunca mais voltar e se tornou alguém que seu passado jamais poderia alcançar.
Após mudar a própria identidade, usando seu segundo nome, Faye conseguiu entrar para a Faculdade de Economia de Estocolmo, onde conheceu sua melhor amiga Chris e o famoso Jack Adelheim, um garoto rico, reconhecido em todos os lugares que frequenta e querido por todos na faculdade. Jack sempre teve o sonho de construir uma empresa com seu melhor amigo Henrik, porém o peso e a responsabilidade de criar estratégias que pudessem ter resultados no mercado, sempre cobra o seu preço e quem pagou por esse sonho foi Faye.
O maior problema das pessoas, percebi, é que elas projetam suas dores nos outros, querem dividi-las. Acham que somente por termos um DNA parecido vamos nos sentir tristes diante das mesmas situações. A tristeza não fica mais leve porque dividimos com alguém. Pelo contrário, fica até mais pesada.”
Enquanto Jack e Henrik construíam estratégias, Faye largou a faculdade e dedicou todo o seu tempo livre em diferentes trabalhos para sustentar as despesas até que a empresa enfim estivesse consolidada no mercado. Não demorou muito para que a Compare se tornasse uma empresa grande e reconhecida e a história de Faye virasse um sonho: vida perfeita, um marido rico e perfeito, estabilidade financeira, uma casa dos sonhos e uma linda filha, fruto do amor dos dois.
Apesar de possuir uma vida invejável, Faye se sente um pássaro preso em uma exposição. Seu marido se tornou alguém que ela não reconhece, que despreza sua inteligência, ignora seus sentimentos, nunca tem tempo livre para ela e para a família que construíram juntos e que apaga totalmente o brilho do sacrifício de Faye, quando fez de tudo para que o sonho dele pudesse ser realizado.
E a situação só piora quando ela descobre que Jack tem um caso. Ele não conhece o passado conturbado e violento de Faye e, por isso, jamais poderia imaginar que a vingança de uma mulher é bela e brutal. A gaiola de ouro finalmente foi aberta e Faye não pretende ficar presa ao seu passado.
O ódio lhe era bem conhecido, era protetor. Aconchegava-a em um casulo quente, dando-lhe propósito e sentido, um ponto de apoio. Ela mostraria a Jack. Iria se reerguer.”
O livro me surpreendeu em muitos aspectos, mas principalmente no modo com a autora escreve. A narrativa que ela criou abordando suspense psicológico que se mistura com leves romances e vingança torna a leitura fluida, rápida e emocionante. Depois de ter lido A Casa Holandesa fiquei com muito receio de a leitura não me prender, mas foi completamente o contrário do que imaginei, e autora soube levar a narrativa com muito jogo de cintura escondendo os detalhes mais profundos até o último momento.
Confesso que não tinha lido a sinopse no momento que comprei o livro nem no momento em que recebi ele e isso fez com que a surpresa ficasse ainda maior. Nenhuma expectativa deixou de ser alcançada.
Um dos pontos que menos gostei durante metade do livro foi o fato de Faye ser sempre submissa a Jack. Ela se mostrou uma ótima esposa, dedicada a filha e ao marido, preocupada com o lar e boa vizinha, mas essa fachada não conseguiu me convencer. Para quem acompanhou a personagem mais jovem nos primeiros capítulos, essa mudança brusca de personalidade tornou Faye sem sal, insegura e dependente do marido, completamente o contrário do que quando ela era solteira: divertida, segura de si, não dependia de homem para nada, fazia o que queria e tinha seus próprios sonhos. Porém tudo gira em torno de Jack e Faye não faz nada para mudar isso, vive sempre a sua sombra e faz todas as vontades dele.
Eu realmente não consigo entender como um livro lançado em pleno 2020, escrito por uma mulher, conseguiu tornar uma personagem feminina em algo tão sem valor durante todo o livro, para no final criar uma reviravolta tão sem nexo, assim como a própria personalidade de Faye.
Quando alguém está preso em uma gaiola de ouro, precisa de alguma distração para poder resistir.”
Há flashbacks do passado de Faye em Fjällbacka que nos questiona quem ela realmente é, porque se mudou e porque esconde uma personalidade “obscura”. Mas nem isso foi capaz de dar brilho para a personagem. Essa tal personalidade que Faye deixou no passado e que ela sempre tenta esconder foi superestimada e não atingiu nem um terço das minhas expectativas e, por mim, poderia ter sido trabalhada de forma mais cuidadosa, com detalhes obscuros mais profundos que realmente a tornasse algo a ser escondido.
Outro ponto que me chamou atenção foi o plot twist do livro, que apesar de eu ter gostado muito, poderia ter sido aperfeiçoado ao longo de todos os capítulos. A autora deixou o melhor para o final, como era esperado, mas achei que tudo que aconteceu de modo muito acelerado, como se ela quisesse tornar Faye, que era sem sal e submissa, em uma mulher poderosa o mais rápido possível para que o final surpreendesse os leitores. Não foi uma evolução que amadureceu a personagem. Com certeza tornou Faye uma mulher poderosa movida a vingança, mas não trouxe à ela uma personalidade marcante que pudesse ser memorável.
O livro em si não me decepcionou, mas deixou muitos espaços em branco que teriam um ótimo potencial se tivessem sido escritos com mais cuidado e atenção. Acredito que a autora quis demonstrar o poder feminino frente a homens controladores e abusivos, mas a própria personagem criada deixou isso a desejar e deu mais holofote para as atitudes machistas de Jack, do que para o empoderamento de uma mulher que busca vingança.
O final do livro tem uma reviravolta fechada, mas que acrescentou novos mistérios que não foram trabalhados durante os flashbacks de Faye. Acredito que a continuação “Asas de Prata” revele o que realmente aconteceu no passado da protagonista com mais detalhes, e espero que sejam tão obscuros quanto a personagem disse que são.
4/5