O novo livro de Elena Ferrante, brinde da caixa 021 (junho de 2020), do Clube dos Intrínsecos, trata das etapas do desenvolvimento humano, caracterizando a passagem da infância para a adolescência e da adolescência para a vida adulta. Há relatos de problemas comuns que acontecem durante essa transição, como a fragilidade de laços familiares, mudanças fisionômicas, emocionais e comportamentais.
“Eu não conseguia mais ser inocente, por trás dos pensamentos, a infância tinha terminado. Eu me esforçava, mas a infância fugia, as lágrimas que eu sentia o tempo todo nos olhos eram o oposto de uma prova de inocência.”
Giovanna é uma criança de 12 anos que está entrando na pré-adolescência e descobrindo a vida mentirosa que existe por trás da imagem perfeita de sua família. Ela e seus pais moram em um bairro nobre de Nápoles, cidade no sul da Itália, onde sua vida é basicamente perfeita: sua casa é bonita e confortável, seus pais são carinhoso e atenciosos, sua escola possui os melhores professores e um ensino adequado e suas amigas são inseparáveis e confidentes.
Porém toda essa perfeição começa a ruir quando as notas de Giovanna, que sempre fora muito estudiosa – já que seu pai é um professor renomado na cidade -, sofrem com quedas, resultado da falta de concentração para estudar e dificuldade de aprendizado nas matérias.
Preocupados, os pais de Giovanna discutem e ela ouve seu pai dizer algo que ela jamais imaginaria ouvir e que a deixou profundamente angustiada com sua aparência: ela estava ficando a cara de Vittoria, sua tia bruxa, uma mulher má e rancorosa na qual a fisionomia Giovanna desconhecia, mas que poderia ser tão ruim quanto o próprio traço de personalidade que ela possuía.
“Tudo ficou parado. Eu, por outro lado, escapei para longe e continuo a escapar também agora, dentro destas linhas que querem me dar uma história, enquanto, na verdade, não sou nada, nada de meu, nada que tenha de fato começado ou se concretizado: só um emaranhado que ninguém, nem mesmo quem neste momento escreve, sabe se contém o fio certo de uma história ou se é apenas uma dor embaralhada, sem redenção.”
Os problemas de Giovanna começam com a má interpretação dessa pequena frase e vão se tornando cada vez maiores: o mal estar com o próprio corpo, a idealização de sua aparência aos padrões sociais, a descoberta do sexo e da sua sexualidade, traições e separações.
A princípio, uma das coisas que mais me abalou durante a leitura foi a forma de abordagem seca, direta e cruel sobre a descoberta da vida sexual de Giovanna. O sexo na adolescência foi tratado de forma chocante, com a personagem (que acabou de sair da infância) tendo relações íntimas com um homem, pelo menos, 10 anos mais velho que ela, como se fosse a coisa mais normal do mundo. E isso não é abordado somente com Giovanna, mas também com outras personagens femininas do livro.
Eu percebi que o objetivo da autora era exatamente o de chocar as pessoas para a realidade que existe à nossa volta e que nós mesmos já vivenciamos, algum dia, nessa mesma fase de transição da vida. Apesar disso, alguns assuntos foram tratados com normalidade demais e pouca seriedade.
“Procurava significados para contornar aquela impressão de pouca inteligência em pessoas que tinham tanta.”
A contextualização da sexualidade e da forma de Giovanna enxergar a si própria como uma aberração são assuntos sérios que podem ser discutidos nesse livro. O modo como ela age consigo mesma, não querendo aceitar seu próprio corpo, seus traços, a singularidade da sua aparência, o sentimento de culpa e inutilidade, a procura de meios para se autodestruir emocionalmente e questionar sua autoestima não é normalidade, isso é depressão!
“As coisas feias que você não conta para ninguém se tornam cães que comem sua cabeça à noite enquanto você dorme.”
Apesar de ser uma contra reação aos problemas familiares, isso não pode e nem deve ser tratado com normalidade, é algo comum, mas definitivamente não é normal e deve ganhar uma atenção ainda maior.
A história ganha intensidade conforme a leitura avança, mas os personagens parecem compartilhar os mesmos traços de personalidade: são individualistas, têm atitudes cruéis e mesquinhas e são pesadamente egoístas.
Não é possível ter empatia por nenhum deles, poucos são os personagens que salvam no meio dessa “selva” de aparências.
Apesar dos pesares, o final do livro é DE-CEP-CIO-NAN-TE e completamente sem nexo. Foi um final com corte seco, sem possibilidade de continuação (se é que é possível) e que decepciona bastante depois que você começa a se acostumar com a narrativa da autora.
A leitura dos capítulos não é muito agradável e algumas descrições são extremamente desnecessárias ao meu ver. Porém, o livro em si é interessante e nos faz refletir bastante, afinal, quem é que nunca passou por alguma das situações presentes no livro?
“Éramos mais verdadeiros quando enxergávamos tudo nitidamente ou quando os sentimentos mais robustos e densos – o ódio, o amor – nos cegavam?”
5/5
Ano: 2020
Páginas: 432
Autor: Elena Ferrante
Idioma: Português
Editora: Editora Intrínseca (Intrínsecos #21)