Missy Carmichael teve a vida completamente virada de cabeça para baixo após ter perdido o seu oikos, a maior referência, essência e razão de sua vida: a sua família. Desde que seus filhos saíram de casa e seu renomado e catequista marido não ser mais o homem que um dia ela conhecera, Missy obriga a si mesma a encarar a solidão de uma casa vazia, sabendo que parte da culpa de viver sozinha é dela própria, após tanto caos e despedidas em sua vida.
“A magia não impede que o pior aconteça. O pior sempre acontece, todo dia. E a vida segue em frente. E a gente apenas se mantém firme e torce para poder guardar qualquer migalha.”
Morando sozinha em um casarão em Londres, comprado nos anos 90, anos depois da guerra que mais trouxe tristezas para a vida dessa senhora de quase 80 anos, Missy passa os dias praticamente enfurnada em sua sala de estar vazia e só sai quando é necessário comprar vinho ou o seu querido xerez, que a acompanha durante os longos dias de solidão.
Amargurada, com a consciência de culpa e sempre na defensiva, Missy se vê completamente isolada do mundo exterior, sem amigos próximos, sem família, sem marido, distante dos filhos e do seu querido neto, ela se sente abandonada, vendo a vida passar diante de seus olhos, sem ter forças para querer mudar a vida e muito menos para encontrar uma saída para sua tediosa rotina.
Contudo, durante um de seus muitos passeios pelo parque, mal ela sabia que descobriria a existência de duas mulheres e uma cadelinha inteligente e alvoroçada que tornariam sua vida tediosa e solitária, de lembranças e assombros do eco de quem ela já foi um dia, em uma nova história.
“Isso era o que todos diziam sobre tomar partido: uma escolha rígida, sim ou não. Aguente firme ou deixe para lá. Mas não era tão simples. Havia outras coisas a serem levadas em consideração, nuances em que não se estava necessariamente de acordo ou em descordo, mas em que se acreditava que um dos lados resumia mais os nossos sentimentos do que o outro. Eu queria dar voz, porém mais do que qualquer outra coisa, queria apenas que as coisas mudassem.”
A primeira impressão ao ler o romance de Beth Morrey é que a personagem criada por ela trouxe essências bastante palpáveis ao mundo real. A autora conseguiu criar uma história recheada de sentimentos e transportou para dentro das páginas as diferentes formas do amor, divididas e representadas por fragmentos do passado e do presente de Missy.
Durante a leitura, é possível caminhar profundamente entre os sentimentos da personagem, vislumbrando os flashes dos momentos em que Missy está mais envolvida pela solidão, pelo amor, pela saudade e pela culpa. Os encaixes dessa profusão tornam a história envolvente e inundam completamente quem está lendo, pois os sentimentos podem ser sentidos ao longo dos parágrafos.
Todos os sentimentos são passados ao leitor de forma bem dinâmica e em muitos momentos me peguei emocionada com a tristeza da personagem. O livro trouxe questões bem diferentes das quais eu imaginei, abordando diferentes complexidades da vida, da família, do amor, da compaixão, da amizade e da entrega aos sentimentos que floreiam a vida.
“O amor era apenas amor, só isso. Falho, desigual, complicado, desconcentrado, mas ainda essencial.”
A forma que a autora trata a realidade e a transforma em ficção é surpreendente, é como se estivéssemos vendo a linha do tempo completa da vida de Missy, passando pela sua infância, sua juventude, sua vida adulta e, agora, sua velhice.
O livro em si é bem dramático, pois lida com questões delicadas. Mas a mudança e a ressignificação na vida de Missy, que começa a se sentir mais ela mesma e mais viva conforme vai deixando outras pessoas entrarem na sua vida, trouxe um significado especial para o contexto. Missy finalmente teve a oportunidade de se redescobrir e perdoar a si mesma pelas diversas culpas que carregou ao longo de tantos anos e descobrir a magia de nunca ser tarde para amar novamente.
5/5