Antes de ser a Garota de Lugar Nenhum, a de sobrenome desconhecido, uma dos Doze e também a Outra, a que estava acima e atrás, o Zero, Aquela que surgiu, a que viveu mil anos, a Garota com Almas Dentro e a portadora da Passagem, Amy era apenas uma garotinha de Iowa que lutava pela sobrevivência e pela segurança de um lar, após sua mãe ter assassinado um jovem durante uma noite em que buscava a companhia de homens para ganhar dinheiro e garantir um teto e comida suficiente para as duas.
Jeanette, que tinha apenas 19 anos quando Amy nasceu, cansada de não poder dar a vida familiar que sua filha merecia, resolveu deixá-la em um convento de irmãs e rezar para que as almas bondosas do lugar a acolhesse e dessem uma vida melhor do que a que ela poderia dar algum dia.
Amy já sabia o que ia lhe acontecer, sempre fora sensitiva a esse ponto, de saber o que as pessoas ao seu redor estavam sentindo. Mas por sorte, uma das irmãs do convento, chamada Lacey, teve uma revelação de que Amy seria a resposta de muitas dúvidas do futuro, e que ela, A Escolhida por Deus, deveria proteger a todo custo a vida daquela pobre garotinha e garantir que o futuro pudesse ser revelado quando chegasse a hora da Passagem.
Ao mesmo tempo em que Amy era deixada com as irmãs no convento, Anthony Carter esperava por sua pena de morte, sem qualquer esperança de que o julgamento pudesse mudar seu destino. Carter fora indiciado e condenado à morte por injeção letal por ter assassinado uma mulher a qual tinha tirado Anthony das ruas e lhe arranjado trabalho em sua mansão, localizada em Houston.
Para ele, nada nem ninguém poderia tirá-lo da fila da morte, pois a prisão, conhecida como Terrell, significava apenas uma coisa: quem era mandado para lá por indício de homicídio doloso, era mandado para morrer pelos seus pecados, sem chance de dizer o contrário. A vida estava em suas mãos, mas a morte era o seu destino.
“A estrada para a morte é uma longa marcha assolada por todos os males, e o coração falha pouco a pouco, a cada novo terror; os ossos se rebelam a cada passo, a mente estabelece sua própria resistência amarga, e com que finalidade? As barreiras caem uma a uma, e cobrir os olhos não afasta a paisagem do desastre, nem a visão dos crimes ali cometidos.”
Apenas uma pessoa poderia mudar a roleta russa da vida de Carter e salvá-lo da pena de morte, e essa pessoa era o agente especial Brad Wolgast, que estava indo até a prisão encontrar Carter e conseguir a assinatura dele para um acordo-contrato com o governo e liberá-lo do inferno que era Terrell.
O que Carter não sabia, porém, era que o tal acordo que o tiraria da pena de morte o levaria para um inferno ainda pior do que a prisão e que a sua vida seria tomada de uma forma que ele jamais poderia imaginar.
Wolgast já conhecia os detalhes do acordo, porém a sua única obrigação era fazer com que os prisioneiros condenados à morte assinassem e concordassem em serem levados até a área militar para serem cobaias de um experimento do governo. Contudo, a profissionalidade de Wolgast desaparece quando ele descobre que um dos prisioneiros que devem ser levados para a base, para servir de cobaia humana de um vírus criado, é ninguém menos do que uma garotinha que foi deixada pela mãe em um convento de freiras e que tem apenas 6 anos de idade.
“Sentia-se como em um transe, um sonho – um sonho terrível, indizível, em que tudo que ele sempre quisera na vida lhe estivesse sendo tirado, e a única coisa que podia fazer era olhar. Já tivera esse sonho antes, um sonho em que desejava morrer mas não podia.”
A Passagem é dividido em 12 partes, que retratam o Tempo de Antes e o momento atual do período de quarentena iniciado após o incidente da quebra de segurança da instalação secreta do governo, que colocou em risco toda a população norte-americana. O vírus, que se espalhou rapidamente entre as pessoas que foram infectadas, tornou o local em um campo de guerra com muito sangue, e na luta pela sobrevivência entre aqueles que conseguiram fugir e se esconder sob muros, armas e luzes.
Um dos primeiros pontos a serem discutidos é o fato de o autor ter criado uma história em que, até os mínimos detalhes, por mais insignificantes que possam parecer, sejam motivos de criar algo ainda mais surpreendente em momentos mais à frente na leitura. É preciso ler com muito cuidado e atenção, porque qualquer detalhe que passe despercebido pode gerar confusão após alguns capítulos que retomam essas lembranças.
A história é grande e, por conter tantos detalhes, uma leitura mais lenta pode ajudar a pegar até os segredos mais escondidos da narrativa.
O livro “A Passagem” comporta diferentes momentos que tornam a história em um caminho sem volta.
Os primeiros capítulos introdutórios são ágeis e prendem o leitor nas primeiras duzentas páginas, criando um contexto pesado, com personagens de passados obscuros e com muito sentimento, e que lembra gêneros de suspense policial. Em seguida, a escrita se torna mais pesada e arrastada, algo que, na minha opinião, é proposital para tornar a rotina dos sobreviventes algo monótono e sem muita ação.
Porém, os capítulos finais retomam a dinamicidade e a cada divisão da história um novo plot é apresentado. No total são pelo menos 5 plots seguidos, que retomam detalhes do passado e pequenos trechos da história do Tempo de Antes.
Não posso deixar de citar que o cenário atual de A Passagem lembrou muito a história de TLOU: todos os elementos como o vírus criado por humanos, as armas para proteção, os muros protegidos, as pequenas colônias de pessoas, a caça, as excursões para achar e matar infectados, os vigias nos portões e claro, a resposta para todos os problemas depositada no destino de uma garota que não pode ser infectada.
Partindo do princípio de que o autor criou um cenário distópico para “A Passagem”, tornando o mundo que conhecemos em um local em que tudo deu errado graças a ganância do ser humano em ser imortal, o autor conseguiu criar uma história completa e coesa, de tal forma que, ao criar um mundo fantástico, ele trouxe personagens bem desenvolvidos, que conseguem transmitir a profundidade de suas personalidades e não se tornam rasos durante a leitura.
Além disso, Justin Cronin abordou temas como fé, bondade e ganância, e até mesmo utilizou de histórias bíblicas para explicar o interesse do homem diante de poderes que ele mesmo não pode controlar, na busca por se tornar divino e imortal. Em adição, o autor usa essas passagens para criar momentos históricos no contexto do livro, abordando o quanto a humanidade é frágil e como ela se prende a falsos deuses, assim, criando e destruindo mundos.
“As luzes e os muros iam proteger a gente dos saltadores, de tudo, até a guerra acabar. Era que nem a história de Noé, e ali era a arca. […] O poder que a humanidade havia extraído da Terra seria inexoravelmente pego de volta, sugado como água pelo ralo.”
Sendo o primeiro livro da trilogia, A Passagem deixa brecha para o segundo volume e traz, nas últimas linhas, os objetivos da próxima missão de Amy: buscar a libertação dos Muitos, os Outros, os de Babcock e a sobrevivência da colônia, que agora tornou-se sua família.
5/5
Ano: 2013
Páginas: 816
Autor: Justin Cronin
Idioma: Português
Editora: Arqueiro