Retratado no começo do século XIX, “Pachinko” se passa durante o período do Japão Imperial, que durou até o final da Segunda Guerra Mundial, o colapso da ocupação japonesa na Coreia afetou a vida de toda a população coreana, inclusive a de Sunja e sua mãe.
Sunja é filha de um pescador aleijado, que morreu drasticamente de tuberculose, e esse acontecimento deixou um enorme buraco no coração de Yangjin, sua mãe. Yangjin trabalha duro cuidando da pousada em que vivem, fazendo de tudo para sustentar Sunja e mais duas ajudantes, além de garantir a comodidade de seus fiéis hóspedes.
Com tão pouco dinheiro e com a repressão brutal dos japoneses, Yangjin depende financeiramente do aluguel escasso de seus hóspedes para manter a casa em que vivem, comprar comida e manter o local aquecido durante as épocas mais geladas do ano. Sunja sempre fora uma criança obediente e sempre fez o possível para ajudar sua mãe com todos os afazeres domésticos, porém, a chegada de um desconhecido forasteiro rico no mercado de peixes faz com que a sua adolescência floresça de forma avassaladora.
A paixão que Sunja sente por Hansu, um homem bem vestido e com um sotaque perfeitamente japonês, faz com que todos os momentos de trabalho doméstico sejam uma diversão com encontros à escondida. Contudo, esses encontros avassaladores se tornam um novo pesadelo quando Sunja descobre que está grávida, e que Hansu, que prometeu a ela o mundo e novas possibilidades de futuro, não deseja se casar com ela, pois já tem uma família no Japão.
“O homem com quem vai se casar vai determinar sua qualidade de vida. Um bom homem vai lhe dar uma vida decente, já com um homem ruim você terá uma vida amaldiçoada… Mas não importa o que aconteça, sempre espere sofrimento e continue trabalhando duro.”
Sunja se sente traída por ter sido tão tola e sente vergonha por desonrar a sua família e ter que criar uma criança fora do casamento. A descoberta de que Sunja terá um filho e que o pai da criança é desconhecido, faz com que brigas horríveis entre mãe e filha aconteçam, e Yangjin decide que deverão esconder a gravidez o máximo que conseguirem.
Todos os problemas parecem ser solucionados quando um jovem pastor chega à pousada em busca de abrigo. Isak veio de longe e é irmão de um antigo amigo do pai de Sunja. O jovem pastor está viajando para trabalhar em uma comunidade católica no Japão e, durante a sua estadia na pousada, Isak faz a Yangjin uma proposta que Sunja jamais poderia recusar: ele se casará com sua filha e dará seu sobrenome ao filho de outro homem para que Sunja e sua família não sofram com a desonra que assolaria a vida delas.
A honra de Sunja e sua família foi salva, mas será que ela saberá lidar com o futuro incerto que a espera?
O romance escrito por Min Jin Lee é simplesmente incrível e toda a narrativa conseguiu tornar o livro em algo único! Tudo se encaixa perfeitamente como um quebra-cabeças complexo, unindo assuntos sobre a colonização japonesa na Coreia, a repressão sofrida pelos coreanos, a vivência dessas pessoas em meio a Segunda Guerra Mundial, a pobreza e a fome dos “não-japoneses”, a idolatria por um líder político e a inibição de qualquer outra religião e claro, o papel da mulher em uma sociedade totalitariamente machista.
“Para cada patriota lutando por uma Coreia livre, ou para cada coreano desgraçado lutando em nome do Japão, havia dez mil compatriotas no país e em outros lugares que estavam apenas tentando colocar um prato de comida na mesa. No fim das contas, o estômago era seu imperador.”
“Pachinko” se inicia com a passagem da infância de Sunja para a vida adulta e prematura das mulheres asiáticas. A polêmica de uma gravidez fora do casamento e ser mãe solteira é uma das piores desonras que uma família pode sofrer na cultura asiática, mas a construção de personalidade de Sunja conseguiu derrubar todos os padrões com excelência.
O papel de Sunja na história move todos os conceitos em torno daquela época e se contradiz completamente aos preceitos milenares asiáticos. A personagem contempla os pensamentos de uma mulher moderna e foge de todos os padrões machistas em que a mulher tem a obrigação de ser submissa e inferior ao homem, não pode e não deve frequentar escolas e deve sempre servir a casa e ao seu marido pela eternidade.
Sunja é a personagem mais corajosa e independente de todo o livro, conseguiu ganhar dinheiro por conta própria, é independente e faz coisas que outras mulheres nem sonhariam em fazer por sua família, mesmo nos momentos mais difíceis da pobreza. Ela carrega todo o peso da história mas costas, não importa como ou quando, mas tudo que acontece em sua vida pessoal e familiar recai sobre ela como um fardo que carrega desde o dia que descobriu sua primeira gravidez, quando tinha apenas 14 anos.
Os acontecimentos surgem de forma crua e sem muitos rodeios, creio que justamente para mostrar a forma dura de sobrevivência em um país que odeia coreanos. A realidade é representada duramente pelos anseios e medos de um futuro imprevisto dos personagens e as transições entre passado e presente são feitas de forma espontânea e muito rápida, o que muitas vezes me fez questionar porquê tudo aconteceu daquela forma.
A realidade é nua e crua e a autora não teve problemas em criar cenas em que a morte foi um suspiro de um capítulo para o outro, mortes essas que acontecem tão rapidamente que às vezes deixa uma sensação de vazio na história.
Além disso, “Pachinko” avança conforme as gerações crescem, mostrando um pouco dos acontecimentos de toda a árvore genealógica de Sunja: sua mãe, seu amante e pai de seu filho mais velho, seu marido e pai do filho mais novo, seus cunhados e a vida paternal de seus dois filhos, além de amigos mais próximos da família.
A vida dos coreanos no livro é muito semelhante à dos pachinkos, tendo apenas a contraposição à realidade de que a vida não é como um jogo. A retratação da vida das pessoas que tiveram o “azar” de ter nascido em uma nação que os trata como desonestos, preguiçosos, porcos, tolos e imundos, e todos as demais características negativas e estereotipadas, é altamente politizada e mostra como é duro viver em um país colonizado por ideias tão absurdas e tantos preconceitos que fazem com que você queira ter nascido em outra nação.
“Não há nada pior do que saber que você é como todo mundo. Que existência patética e horrível. E neste grande país que é o Japão, o berço de todos os meus elegantes ancestrais, todo mundo, todo mundo quer ser como todos os outros. O Japão não está fodido porque perdeu a guerra ou fez coisas ruins. O Japão está fodido porque não há mais guerra e, em tempos de paz, todo mundo quer ser medíocre e morre de medo de ser diferente.”
“Pachinko” é um livro extremamente rico, intrigante e esclarecedor em sua narrativa e aborda com perfeição toda uma geração colonial, trazendo para a ficção os momentos mais angustiantes de um povo que perdeu a sua liberdade, o seu direito de fala e perspectiva de um futuro livre.
3,5/5
Ano: 2020
Páginas: 528
Autor: Min Jin Lee
Idioma: Português
Editora:Intrínseca