Jenny, uma mulher de 35 anos, é uma das redatoras online de uma revista feminina descolada e usa os acontecimentos da própria vida como pano de fundo para as suas histórias mirabolantes e cheias de polêmicas. Jenny leva uma vida praticamente glamorosa, com o emprego dos sonhos, com uma casa própria e com o namorado perfeito, que é um fotógrafo famoso reconhecido por seus projetos dramáticos.
Mas apesar de ter tudo que faz a sua vida ser perfeita para ser postada nas redes sociais, e mostrar a verdadeira imagem do sucesso, a vida offline de Jenny é um completo desastre e a realidade em que ela vive é profundamente insossa e muito diferente do que ela tenta transparecer em suas postagens no instagram.
Jenny é obcecada pelas influenciadoras que segue e faz de tudo para ser reconhecida e amada por todos. Cada foto postada é o motivo de desespero e autodepreciação por não se sentir interessante o bastante, com a legenda perfeita ou com a quantidade de curtidas e comentários necessários para ser eleita alguém que as pessoas devam seguir e admirar.
Toda a obsessão de Jenny pela vida online, a sua falta de confiança e a ansiedade excessiva tornaram a vida dela em uma novela perfeita e com dramas cada vez mais intensos. Sua vida descolada começa a ruir ao ser demitida da revista, suas colegas de apartamento resolvem se mudar, seu namoro acaba, a sua vida social online começa a parecer cada vez mais um pesadelo e para piorar: sua mãe, que é médium, e acompanhou todos os traumas de Jenny, decide intervir e trazer a filha de volta à realidade fora das telas.
O primeiro ponto a ser ressaltado quanto ao livro “Adultos” é o questionamento sobre se o tema é realmente sobre adultos ou apenas sobre uma mulher completamente imatura e cheia de problemas sérios. Não encontrei nada que realmente indicasse a sátira sobre a vida moderna e compulsiva que a autora prometeu e achei “ok” a tal “busca pela maturidade”, mas todo o resto deixou muito a desejar para criar algo que realmente me prendesse à leitura.
“Adultos” aborda toda a integração da vida social: os relacionamentos de amizade, os virtuais, os amorosos, os profissionais e os sociais. A todo momento a narrativa busca trazer a reflexão sobre o quanto a sociedade nos impõe – e nós mesmos nos impomos – de nos encaixarmos dentro de padrões de aceitação, para fazer parte de um ou mais grupos. É como se precisássemos nos fragmentar e selecionar as características e comportamentos ideais para cada tipo de socialização.
Jenny é excessivamente viciada em ganhar a aprovação das pessoas, ser reconhecida e admirada por todos do seu ciclo social e baseia todos os sentimentos das pessoas sobre ela em reles curtidas e em quantidade de emojis depositados em fotos e mensagens. O papel da personagem consegue mostrar com perfeição como Jenny é uma pessoa artificial que se autopromove o tempo todo, sem se importar com as outras pessoas ao redor, e como a vida dela se torna uma peça de teatro e de farsas, onde o palco da vida dela é encoberto por uma cortina de ilusões e caos.
“Mas essa voz exigente dentro de si, tão dura com o mundo e com os outros, é ainda mais dura quando se volta para você, não é mesmo?”
A ansiedade digital consome a vida real de Jenny e faz com que ela viva em dois mundos diferentes e não saiba separar a própria vida de algo irreal. A narrativa consegue abordar muito bem todos os pensamentos e sentimentos da personagem e traz à tona um tema muito mais crítico do que os vícios modernos.
Jenny possui o chamado Transtorno de Ansiedade Generalizada, e, mesmo que a autora não deixe isso explicitamente escrito, é quase impossível não ver que a personagem possui tal transtorno. A preocupação de Jenny é completamente irreal e torna todos os problemas desproporcionais ao que realmente são, a vida dela se torna um constante estado de preocupação com passado, presente e futuro, sobre tudo e todos, e tudo isso acaba afetando o seu trabalho, as amizades e seus relacionamentos.
“Talvez todos aqueles terapeutas tivessem razão. Talvez terapia não seja apenas um stand-up ruim que a gente não tem coragem de apresentar. […] Eu não era assim – tão sem confiança em mim mesma. Acho que perdi o ritmo. É como se tudo estivesse acelerando cada vez mais e eu já tivesse chegado à minha velocidade máxima.”
Para evidenciar o estado mental da personagem, a todo momento somos bombardeados por pensamentos, auto críticas e momentos de ansiedade seguidos um do outro, inundando os capítulos com tantas informações, que muitas vezes se tornam desconexas, fruto de uma mente ansiosa que não para em momento algum para relaxar.
A verdade é que tive extrema dificuldade para me conectar com a história por conta disso tudo e a leitura foi muito desconfortável para mim desde as primeiras páginas. Minha mente não conseguiu guardar detalhes de boa parte do livro, justamente porque todas as páginas possuem descrições de pensamentos de forma desgovernada. A todo momento Jenny está pensando se gostam dela e depende inteiramente do julgamento alheio para se sentir importante.
“Tudo o que eu fui sendo que não era. Eu era uma mentira.”
A princípio não imaginei que Jenny pudesse enxergar o verdadeiro “eu” dela, de tão obcecada que ela estava com a aceitação e opiniões sobre ela, tentando demonstrar sempre uma vida perfeita e ideal, mascarando a realidade. Jenny criou uma distopia da própria vida e começou a encarar isso como a própria realidade, esquecendo completamente que a vida real não é perfeita.
Mas, apesar de não ter conseguido me adaptar à narrativa até a metade do livro, o amadurecimento da personagem e a revelação/aceitação do seu comportamento doentio me deixou bastante satisfeita. Em diversos momentos achei as conversas casuais, divertidas e relaxantes, pois a todo momento retrata boa parte da realidade em que vivemos.
“Você precisa se definir como uma coisa ou outra! Não erre! Não se contradiga! SIM versus NÃO, sinal de positivo ou negativo, somos todos robôs viciados jogados no meio de uma grande arena azul.”
Além disso, os personagens que são parte do laço social de Jenny ajudaram muito a dar foco no comportamento irracional da mulher em que ela se tornou e como pessoas com o seu tipo de transtorno precisam de pessoas próximas para ajudar a separar o real do digital e buscar ajuda especializada.
E, apesar dos pesares, de terem tornado esse livro uma completa decepção, o tema do vício digital conseguiu alcançar o nível que era esperado, pois conseguiu retratar a realidade nua e crua da nossa geração: as telas são o nosso espelho diário de socialização.
2/5
Ano: 2020
Páginas: 400
Autor: Emma Jane Unsworth
Idioma: Português
Editora:Editora Intrínseca