Ceifar almas e vê-las implorando pela vida, sem saber exatamente que morreram, pode ser um dos desafios mais angustiantes para quem trabalha para a Morte. Mas para Adélia, o peso e a corrente que ligam a morte ao esquecimento da vida é uma das dores mais agudas que pôde sentir após a morte de seus pais.
Adélia Batista é uma dos 10 habitantes que vivem no vilarejo de Jaçanaú, interior do Ceará, um local misterioso, completamente isolado e cercado por altas árvores de uma vasta floresta carnaubeira. Assim como o vilarejo, que guarda segredos perigosos, Adélia é uma ceifadora de almas, responsável por transpassar a alma dos que vagam na terra e levá-los para o mundo dos mortos, o outro lado do véu.
“Quando o sol se põe, almas devem ser ceifadas pelo gume de sua foice forjada da unha da própria morte.”
A responsabilidade de ceifar almas é uma das maiores obrigações para com a Morte, mas Adélia não consegue aceitar a ideia de que ela mesma terá que ceifar a alma de seus pais, que morreram tragicamente em um acidente quando ela era criança. Acorrentada ao peso de sua responsabilidade e remorso por não poder contradizer à Morte com sua escolha, Adélia percebe que seu passado esconde mistérios perigosos e sombrios, com lembranças dolorosas sobre a verdadeira natureza de sua alma.
Cemitérios podem esconder antigos segredos, mas nem a morte ou qualquer alma ceifada pode evitar que a verdade seja revelada: nem tudo é o que parece ser.
A primeira ressalva quanto ao livro “Calêndula” é a incrível capacidade da autora em transformar locais do Brasil em cenários de livro indescritíveis e trazer um pouco da essência brasileira para os personagens que escreve. O mais interessante é que toda a história se passa em um pequeno vilarejo na cidade do Ceará, retratando com perfeição um pouco do cenário nordestino, algo que nunca vi – até hoje – sendo caracterizado em uma história nacional.
E apesar de já ter lido outros livros de fantasia da autora, “Calêndula” me surpreendeu bastante, justamente porque nunca tinha ficado tão entretida lendo um subgênero dark escrito dessa maneira. O começo da história em si foi um pouco devagar, mas conforme os personagens vão sendo inseridos a narrativa começa a ficar mais atrativa devido ao universo incomum e sombrio criado dentro de uma cidade brasileira.
A única parte realmente que me incomodou foi que não consegui me apegar a alguns personagens secundários devido a passagem rápida da história, que já começa com Adélia encarando seus próprios medos. Acredito que se houvesse uma passagem mais introdutória sobre como o vilarejo foi destruído, como se tornou um local em que apenas fantasmas vivem e como os ceifadores surgiram anos atrás junto com a Árvore Anciã, a história teria ficado ainda mais interessante. Mas em momento algum isso atrapalhou a linha do tempo ou a concepção da história.
Quanto aos personagens, os favoritos de “Calêndula” com certeza são Rafael, que sempre mostrou grande preocupação com Adélia, e Tadeu que sempre foi um amigo leal e companheiro. Em relação a Moacira não consegui sentir simpatia pela arrogância e irritação que ela demonstrou em todo o livro, e apesar de ela ser metade demônio e fazer parte do grupo dos ceifadores, a caracterização dela sendo extremamente ignorante não conseguiu chamar a minha atenção, apenas me irritar profundamente.
Todo o universo criado é incrível e o plot twist realmente me surpreendeu de maneira incompreensível. A todo momento, ao longo da leitura, a autora deixou claro as pistas sobre o final, mas em momento algum consegui achar o encaixe das peças para deduzir o que aconteceria.
O desfecho foi fascinante, mas ainda quero respostas sobre Adélia. Afinal, por quê ela aceitou sem hesitar? Para onde ela foi? Por que mesmo sendo diferente ela não teria outra escolha, outro caminho, outra opção? Por quê não lutou? Por que outras pessoas não poderiam interferir? São muitos porquês… e espero que um dia todas as questões sejam resolvidas e “Calêndula” tenha uma continuação.
“Eu prometo que vamos nos encontrar em outra vida.— ela suspirou, prendendo o choro na garganta.— Não importa o que aconteça, não importa onde estejam, ou com quem se pareçam, esperem por mim, eu vou encontrá- los.”
5/5