Será que apenas um chocolate quente feito por uma bruxa pode desencadear magia, rivalidade e paixão? Depois de arrumar as malas, abandonar seu passado e partir para Paris para ficar com as tias, Magalie se tornou a principal responsável pela produção do chocolat chaud da pequena casa de chá “La Maison des Sorcières”, localizada no coração da Île Saint-Louis.
Apesar de La Maison des Sorcières ser bastante conhecida e famosa pelos chocolates quentes e chás especiais preparados por Magalie e suas tias Aja e Geneviève, a pequena loja foi criada apenas para encantar os clientes mais próximos e usuais com seus doces e bebidas enfeitiçados, especialmente com o chocolat chaud de Magalie, que sempre os prepara com um sorriso e os oferece com desejos doces.
Contudo, a frequência de clientes fiéis corre risco de se tornar um problema quando o famoso e badalado pâtissier Philippe Lyonnais resolve abrir uma nova filial a poucos metros da rua onde a La Maison des Sorcières criou suas raízes. Enfeitiçado pela loja das bruxas e acreditando que uma nova loja de doces seria a melhor opção para a pequena ilha pacata, Phillipe segue suas intuições sem imaginar que o seu maior sucesso seria o estopim para que a maior conquista de Magalie se tornasse um fracasso.
“Todo doce tinha de ter o próprio orgasmo, o ápice de prazer que chegasse totalmente de surpresa. Era isso o que fazia os olhos de quem os mordia tremerem fechados de deleite.”
A batalha pelo melhor doce começa e Magalie irá lutar com unhas e dentes pelas suas raízes, correndo risco de perder tudo aquilo que vale mais que um simples macaron ou chocolat chaud: a sua conquista em permanecer sozinha e feliz para sempre em sua torre.
É indescritível como “O Beijo de Chocolate” acende a imaginação sensitiva e te faz ficar desejando a todo momento a magia das bebidas de chocolate quente feitas por Magalie na Casa das Bruxas. Além disso, as descrições da loja transformam o cenário imaginativo em um ambiente cercado por objetos esquisitos e interessantes, como uma velha casa de bruxa, cheia de bugigangas, mas também dá a impressão de ser um local aconchegante e com luzes quentes. Enquanto que a pâtisserie de Philippe aparenta ser um local sóbrio, limpo, com luzes frias e duras, justamente como uma cozinha profissional renomada, famosa e parisiense.
O começo do livro não foi tão aconchegante quanto eu esperava que fosse ser e se tornou muito arrastado até dar o impulso que a história precisava para se tornar atrativa. E juntando ao fato da narrativa ter começado devagar, os primeiros capítulos de “O Beijo de Chocolate” são praticamente descritivos de local, de personagens e de pensamentos alheios, o que tornou a leitura um pouco confusa devido à quantidade de detalhes apresentados de uma só vez.
Apesar disso, os detalhes excessivos diminuem ao longo da história e dão espaço para observações mais sucintas de Magalie sobre o mundo, as pessoas e os próprios sentimentos. E uma das características mais marcantes da personagem é saber observar os detalhes mais íntimos de suas clientes, das quais ela carinhosamente intitula de princesas, referindo-se a mulheres que toleram problemas que não podem resolver.
E seguindo a trajetória de Magalie e Philippe pela narrativa, a leitura de “O Beijo de Chocolate” se manteve atrativa apenas até a página 270, justamente porque Magalie se agarrou tão desesperadamente à sua torre que toda a falta de confiança nela mesma começou a me irritar profundamente.
“Será que ela havia feito sua vida de modo que pudesse continuar sugando os estranhos que passavam pela sua órbita para tomarem seu chocolate ridículo, porque, na verdade, ela não tinha ninguém?”
Ao contrário da pessoa que ela se tornou desde que arrumou as malas, se mudou para Paris, decidiu que seu lugar era com as tias e que tanto demonstrou ser forte e pé no chão, Magalie se mostrou completamente incapaz de lidar com os mínimos problemas entre ela e Philippe. Nos últimos capítulos, ela se tornou praticamente a mesma criança que ela fora um dia. Sua autoconfiança e autocontrole se transformaram em uma raiva contida desnecessária, que me fez acabar ficando com raiva pelas atitudes imaturas dela.
Depois de tentar uma vida toda, repetidas vezes, conquistar um lugar só dela, senti que Magalie por mais que tentasse se adequar ao seu próprio mundo, estava mais disposta a receber do que se doar ao amor por Philippe e isso a tornou arrogante com ele sem motivo e, ao contrário do que ela sempre buscou mostrar durante o livro “O Beijo de Chocolate”, extremamente fraca.
“Ela abominava o fato de que, de repente, estava se acostumando àquilo. Era uma das coisas que evitava em relação às pessoas: acostumar-se a elas.”
Magalie vive tentando se moldar por conta dos traumas passados sobre sua infância e forçando-se a ser uma pessoa forte, confiante, auto suficiente e que não precisa de ninguém para criar algo seu, um lugar seguro e um mundo onde quisesse e pudesse viver sendo feliz. Mas tudo isso apenas criou uma torre em volta dos sentimentos da personagem e revelou um medo precoce de que qualquer pessoa que tentasse entrar na sua vida, pudesse destruí-la e deixá-la dilacerada.
E ao contrário dela, achei que Philippe foi extremamente calmo e consciente das suas atitudes, sempre buscando contornar as inseguranças que surgiam nos pensamentos de Magalie. Apesar de ser um pouco controlador e autoritário, sempre conseguindo fazer as coisas à sua maneira, o modo como ele tratou Magalie e a fez se sentir no lugar certo para mim foi o ponto chave de toda a história.
3,5/5