Fugindo da Geórgia e da segregação racial imposta pelas leis de Jim Crown nos Estados Unidos em 1923, Hattie, sua mãe e sua irmã tentam se reestabelecer na Filadélfia com esperança de ter uma vida mais fácil e distante do preconceito pregado pela separação de brancos e negros. Com apenas 17 anos, Hattie começou a namorar August, o homem que seria a ruína de sua vida, e poucos meses depois engravidou de gêmeos.
Com seu namoro sendo um segredo que a mãe não sabia e empolgada por sair com um garoto do interior, Hattie acreditou que seu casamento seria perfeito, apesar de August ter parado de aparecer com tanta frequência em sua casa. Porém, com a descoberta da gravidez, August decidiu que seria um homem de família, que se casaria e moraria em uma casa alugada até ter dinheiro para comprar uma só deles.
Após o nascimento dos gêmeos e da doença que lhes tirou a vida poucos meses após o parto, Hattie fica devastada com a morte de seus filhos e acaba se tornando uma mulher fria e amargurada, cansada do próprio casamento e da vida infeliz ao lado de um homem ao qual despreza. A vida dos gêmeos poderia ter sido salva com apenas um pouco de dinheiro, mas todas as economias foram gastas em bares e mulheres e Hattie culpa August pela morte dos próprios filhos.
“Era como se a luz tivesse apagado, exatamente isso, do jeito que uma criança fica desorientada e com medo do escuro e não consegue reconhecer nada.”
Mesmo com traumas, Hattie dá a luz a outras nove crianças: Floyd, Six, Ruthie, Ella, Alice, Billups, Franklin, Bell e Cassie. E, apesar de criá-las com empenho para prepará-las para uma vida dura e cheia de dificuldades, Hattie não sabe lidar com seus sentimentos e acaba demonstrando seu afeto por meio de reprimendas duras e lições firmes que impedem que seus filhos tentem se aproximar emocionalmente.
“Eles não entendiam que todo o amor que tinha fora tomado pela necessidade de alimentos, roupas e de preparar todos para enfrentar o mundo. O mundo não os amava; o mundo não seria bondoso.”
A história de Hattie é contada pela visão dos seus 11 filhos ao longo dos anos, começando em 1925 até meados de 1980, quando se torna responsável pela criação de uma neta. Apesar da narrativa de “As Doze Tribos de Hattie” revelar boa parte dos conflitos emocionais entre Hattie e sua família, a personagem não é a protagonista da história e boa parte dos capítulos descrevem a influência dela como mãe e como sua forma dura de lidar com as emoções afetou emocionalmente cada um de seus filhos.
“Talvez tenhamos uma quantidade finita de amor para dar. Nascemos com a nossa porção, e ela se esgota se amamos e não somos amados o suficiente.”
Além dos afetos emocionais e apesar de August ser um homem relativamente desprezível, não consegui ter uma raiva tão grande assim dele simplesmente pelo fato dele ter todos os defeitos do mundo, mas mesmo assim ter as características de um paizão. A relação de atitudes do personagem mudava drasticamente quando o assunto era sobre seus filhos. Ele até pode ter deixado de comprar comida para eles e gasto todo o dinheiro em bares e mulheres, mas a relação dele com os filhos criou um ambiente familiar muito mais próximo do que senti com Hattie.
A caracterização e explicitude das emoções de cada personagem em “As Doze Tribos de Hattie” é extremamente carregada de traumas e visões do passado da família Shepherd. Além disso, a passagem da vida de cada um deles é marcada por conflitos pessoais como religião, sexualidade, abusos, doenças, problemas psicológicos e, principalmente, pelo reconhecimento de raça, gerados pela possível falta de amor, punições ao longo da infância pobre e difícil e pelo cenário caótico de um local segregado pelo preconceito.
A proposta de narrativa de “As Doze Tribos de Hattie” trouxe muitas questões importantes ao longo da história e a autora conseguiu trazer profundidade e delicadeza aos sentimentos de forma madura e provocadora, que inconscientemente nos faz repensar valores e atitudes sobre relações familiares.
“Como uma casa pegando fogo. Você nunca aprendeu que às vezes só nos restam a nossa dignidade e autocontrole.”
Mas apesar de ter achado toda a história de Hattie dominada por emoções fortes e bem construídas, a narrativa não teve muito aprofundamento nos sentimentos da personagem e cada capítulo mostrou apenas uma fração da vida dos filhos. Na minha concepção, isso acabou tornando a história de “As Doze Tribos de Hattie” significativamente incompleta, pois é impossível chegar a um consenso de como alguns dos filhos chegaram aonde estavam e porque aconteceu com eles o que foi descrito pela autora. Não existe um passado palpável que nutre a sequência de vida familiar entre eles e Hattie, apenas alguns vislumbres da infância, sem muitos detalhes.
A vida familiar de Hattie e seus 11 filhos ganham destaque apenas pela profusão de sentimentos que dão vida a história e pela união dos desejos de cada filho em ter uma demonstração de afeto que nunca veio. Quanto aos capítulos em si, que apesar de serem parte de um conjunto que dá voz à personalidade de Hattie, poderiam ter tido um avanço (ou retrocesso) na linha do tempo da narrativa, deixando as histórias mais concisas e unidas entre os integrantes familiares, de forma que o passado entre eles fizesse mais sentido durante a leitura. É possível dizer que a história de Hattie tenha ficado completa, mas que a de seus filhos faltou a emenda para tornar o livro perfeito.
4/5