Muito antes de se casarem, Connie era uma jovem artista insegura que levava uma vida desregrada com seu namorado temperamental, talentoso e irresponsável e Douglas era apenas um jovem cientista, razoavelmente atraente e estranhamente interessante, apaixonado e dedicado à sua profissão e prestes a finalizar sua tese em PHD.
Hoje, apesar de terem vivido um relacionamento um tanto convencional, mas bom o bastante para permanecerem juntos, a vida de casal dos dois é cheia de tensão e ressentimentos, seguindo uma rotina incansável de discussões e de fazer as pazes. O casamento de Douglas e Connie por algum tempo foi feliz, mas com a morte da sua primeira filha e o segundo filho ser uma fonte de pretensão e irresponsabilidade adolescente, perguntas começam a surgir e novos sentimentos parecem emergir das profundezas.
Embora Douglas seja bem intencionado, ele não possui imaginação, inteligência emocional e empatia pelas coisas ao seu redor e Connie decide que a vida por si só é difícil para ambos. Por isso, cria coragem e declara seu desejo de ir embora, apesar de estar incerta quanto ao futuro dos dois. Após Connie pedir o divórcio, Douglas decide transformar as férias de família em algo marcante e uma última chance de reconciliação com sua esposa e seu filho.
Mas apesar de tanto esforço e dedicação, o que poderia dar errado?
“Eu achava inconcebível imaginar a vida sem ela. Literalmente assim. Eu não era capaz de conceber. Então, decidi que não podia permitir que aquilo acontecesse.”
É inegável que David Nicholls sabe usar as palavras, porém no quesito desenrolar da história, “Nós” deixou a desejar em muitos aspectos. Mas o principal entre todos foi a narrativa poluída com descrições desnecessárias do passado e muitas perspectivas sobre o mesmo assunto, fazendo com que praticamente a leitura caminhasse sobre uma poça de areia movediça e parecesse que não estava chegando a lugar algum.
A história por si só é longa, desconfortável e monótona, ficando em um ciclo vicioso de permanecer na confusão de memórias de Douglas e no amor incondicional e nada razoável por Connie.
Em adição, o personagem de Douglas é extremamente complacente, opressivo, sem alegria, temperamental e mal-humorado em relação a tudo que acontece ao seu redor e praticamente acha que todos os problemas podem ser consertados com uma memória, nostalgia ou piadas internas. O amadurecimento do personagem é fatigante e inconclusivo, e faz parecer que a história de “Nós” não sai do lugar.
“Tudo continuava o mesmo, no entanto, não era o mesmo e, pouco antes de dormir, senti a mesma ansiedade que ainda sinto na véspera de uma viagem longa e complicada.”
A questão é que Douglas depositava toda a sua imaginação e esperança de tudo ser perfeitamente razoável, tentando moldar o mundo ao seu redor para que se tornasse uma realidade distorcida e perfeita dos fatos, e sempre procurando uma falha, um comportamento ou um erro que tenha causado a falência de sua estrutura “familiar”.
Douglas praticamente despreza tudo que não é moldado de acordo com a sua definição de perfeição, de perseverança e de sucesso e deposita todas essas frustrações, que não saem de acordo com o esperado por ele, em seu filho e em seu casamento. E o pior é que o afastamento, a frieza e o desprezo de seu filho e sua mulher quanto às suas “tentativas” de se aproximar de algo que ele mesmo destruiu, se tornam apenas um pensamento de que ele esteja sendo punido e desafiado, sem que ele próprio enxergue que foi a pessoa quem destruiu todo o relacionamento familiar com seu constante fluxo de antipatia e irritabilidade.
“Senti a proximidade da mudança, e tudo o que eu mais queria era que algo mudasse em minha vida. Eu me pergunto: ainda é possível se sentir assim? Ou será que isso só acontece uma vez?”
Em compensação, em “Nós”, é possível acompanhar nitidamente todos os abalos, perdas de compostura, arrependimentos e gratidão pela vida familiar que ele criou e que lutou com tanto afinco para manter todos juntos, em uma união estável e clichê, enquanto tudo ao seu redor infligia cair em ruínas.
O objetivo do livro até foi bom, porém o autor não conseguiu expressar de uma forma convincente todas as questões abordadas, os problemas e trazer uma moral palpável. Em consequência, criou um personagem extremamente irritante e uma história que poderia ter sido resumida em metade das páginas existentes.
Boa parte do livro é dispensável, mas apesar de toda a história de “Nós” ter sido lenta e extremamente entediante, em vários aspectos, as últimas 30 páginas trouxeram a sensação de completude e um alívio imenso por finalmente ter um desenrolo sensato e que poderia ter sido completado muito antes na história, poupando boa parte das descrições e pensamentos desnecessários usados para encher a história com conteúdo.
2,5/5
Ano: 2015
Páginas: 384
Autor: David Nicholls
Idioma: Português
Editora: Editora Intrínseca