Tragédias, reviravoltas e cicatrizes profundas tornam a narrativa de “Sal” uma verdadeira trajetória poética sobre a história de um farol, legado de uma família e passado de geração em geração por toda a árvore genealógica dos Godoy.
Localizado na isolada ilha de La Duiva, o farol da família Godoy une anos de histórias que são tecidas avidamente pelas agulhas da matriarca Cecília, que reconstitui todas as cicatrizes do seu passado familiar, dando cores a Ivan, seu marido, e a seus filhos, tão pouco presentes em sua vida.
“Mas depois, quando fiquei sozinha aqui em La Duiva, a amargura alcançando o céu tão alto, a amargura dando voltas em torno de mim como uma gaivota dá voltas ao redor de um barco carregado de peixes, decidi tecer esta história toda – cores para cada um.”
Solitária e vendo os anos passar diante das luzes que sempre guiaram o barco da sua vida, Cecília recorda a morte de seu marido e a partida de seus filhos, tecendo sem parar uma tapeçaria que contaria a história de sua vida e as tragédias que tornaram os caminhos da sua família sinuosos e inconstantes como o mar.
Interligados pelo farol e pelo legado de família, os filhos de Cecília tornaram suas próprias histórias em uma tempestade de emoções, trazendo dinâmica para a narrativa e criando diferentes visões sobre a passagem de uma vida confinada entre sal e água e a possibilidade de um futuro fora dos laços e responsabilidades familiares.
A narrativa de “Sal” relata todas as dores sofridas pelos personagens de forma poética e muito bem descritiva, porém achei o começo do livro um pouco confuso. São muitos personagens e cada um deles é descrito com uma das cores do arco-íris, definidas por Cecília conforme as particularidades e lembranças tecidas por ela.
“O tempo pode ter o mesmo efeito de uma guerra. Avassalador. Miúdo e invisível, ele nos pega de surpresa. De repente, bum. O tempo passou como um rio tormentoso carregando tudo consigo.”
É preciso manter bastante a atenção, pois muitos dos personagens trazem uma linguagem bem complexa, muito detalhada e que acaba sendo um pouco poética demais. Contudo, isso se mantém somente na primeira parte do livro e a história se torna mais prática na segunda, trazendo uma narrativa mais completa e menos floreada sobre a vida de alguns personagens e criando mais profundidade e proximidade com os mesmos.
A história em si é muito bem escrita, pois a autora consegue trazer vivacidade aos sentimentos dos personagens. Porém senti que faltou mais profundidade ou mais detalhismo em algumas partes da narrativa, como, por exemplo, trazer algo mais “concreto” sobre todos os membros do farol. A autora focou muito em apenas dois grandes personagens, que constroem uma história no presente e apresentam seus traumas com mais proximidade durante todas as páginas da segunda parte do livro.
Alguns dos personagens se tornaram distantes, assim como na vida de Cecília; mas se todos eles tivessem tido espaço para que tecessem a própria história, fora das memórias da matriarca da família, seria possível ter conhecido melhor seus passados, seus traumas e entendido como não tiveram mais que poucas páginas dentro da história.
“Os anos passaram velozes como os lampejos do farol. E então a vida entrou aqui por todas as portas e janelas, uma tormenta de amores, talentos, agonias, ambições e disputas. A vida fez realmente uma jogada impressionante.”
Em contrapeso com a forte personalidade de Summer, que foi um dos pontos mais positivos durante a leitura já que muitas personagens de livros hot não possuem personalidade marcante, achei a personagem extremamente ingênua, apesar de as intenções de Dominik estarem visivelmente claras quanto à ela, e completamente submissa apesar de ela mesma se achar a vontade em relação a sua vida sexual e prazer próprio.
Summer perde completamente o amor próprio e começa a viver em prol de agradar Dominink, ser dominada por ele e aceitar todas as propostas indecentes e malucas dele sem opinar ou pensar duas vezes. Com isso, a personagem acaba perdendo a própria personalidade e liberdade emocional e sexual se sujeitando a conviver com uma pessoa que a vê apenas como caminho para atingir altos níveis de prazer, já que ela não se opõe a nada sugerido.
“Você sabe que está embarcando em um caminho sem volta, mas vai mesmo assim, porque não ir deixaria você incompleta.”
Esse foi um dos únicos detalhes que me incomodou durante o livro, mas todas as histórias de algum modo me prenderam e me cativaram, trazendo um carinho muito grande pelos personagens menos compreendidos (ou incompreendidos) dentro dessa família turbulenta. Julieta, por exemplo, é um desses personagens que poderia ter tido um enredo bem mais detalhado, cheio de mistérios catastróficos, já que sua história foi muito curta, pouco desenvolvida e assombrada pelas memórias de uma avó morta, que deu início a toda confusão no farol.
Mas apesar de “Sal” ser bem carregado na narrativa e ter se tornado repetitiva em muitas partes, por conta da grande quantidade de personagens e diferentes visões sobre os mesmos acontecimentos dramáticos, a leitura é bem rápida e fluida por conta dos capítulos que são curtos e o modo como a autora torna as palavras em um mar tranquilo dentro de uma tempestade de sentimentos.
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Leticia Wierzchowski
Ano: 2013
Páginas: 240
Idioma: português
Editora: Intrínseca
Um farol enlouquecido deixa desamparados os homens do mar que circulam em torno da pequena e isolada ilha de La Duiva. Sob sua luz vacilante, a matriarca da família Godoy reconstitui as cicatrizes do passado. Em sua interminável tapeçaria, Cecília entrelaça as sinas de Ivan, seu marido, e de seus filhos ausentes, elegendo uma cor para cada um.