Quando duas mortes e uma casa sem exageros, com regras e proibições excêntricas e restritivas ocupam o mesmo espaço de mistérios não resolvidos, não adianta fugir, você fará as mesmas escolhas e seguirá o mesmo caminho até chegar à verdade crua. Afinal, tudo que é seu hoje, um dia já foi dela.
Tentando se adaptar à vida novamente após ter passado por um assalto e momentos traumatizantes em seu antigo apartamento, Emma está em busca de uma nova propriedade para recomeçar a vida, buscando segurança e tranquilidade para superar o medo da violência que sofreu durante o ocorrido. Sem muitas opções e com o antigo contrato prestes a vencer, Emma e Simon encontram o local perfeito: uma casa estritamente tecnológica, personalizada e criada pelo arquiteto mais austero e tecno minimalista da Inglaterra.
Mas apesar da aparência reluzente de uma casa pensada com todos os mínimos detalhes para se tornar ideal para o usuário, as imperfeições e mentiras escondidas por Emma e Simon após o assalto na antiga casa começam a se tornar mais nítidas, revelando os segredos mais traumatizantes e dando ponto final a uma vida de casados que era tudo, menos perfeita.
Após passar por uma gravidez complicada, resultando em um parto de última hora para retirar um feto natimorto, Jane tornou-se mãe solteira de primeira viagem, carregando o peso de ter perdido sua única filha e decide mudar sua vida, recomeçar em um novo lugar e abandonar o local que lhe traz tantas lembranças difíceis de serem encaradas.
“Outras mulheres haviam ganhado a aposta com a natureza, com a procriação, com a genética. Eu, não. Eu, que sempre fora tão eficiente, com tantas realizações, tão bem sucedida, havia perdido. Descobri que o sofrimento não era tão diferente assim da derrota.”
Sem condições de pagar os aluguéis exorbitantes dos apartamentos que foi visitar e com poucas opções que traziam gatilhos ainda recentes de sua perda, Jane decide aceitar a proposta de sua corretora para conhecer uma casa excêntrica que tinha apenas uma condição para ser alugada: o locatário deveria aceitar todas as restrições presentes em contrato e o proprietário teria que aprovar a pessoa disposta a aceitar suas regras.
Alternando entre passado e presente, Emma e Jane têm apenas uma coisa em comum: a vontade de recomeçar uma nova vida. Contudo, nem mesmo as paredes claras e imaculadas da casa em que moram conseguem esconder os segredos obscuros do passado.
“No pouco tempo que moro aqui, nunca achei Folgate Street, nº1 um lugar assustador. Mas agora o silêncio e o vazio parecem assumir um tom mais sinistro.”
Antes de mais nada preciso ressaltar o quanto “Quem era ela” é incrível, com todas as letras!
O autor conseguiu criar uma narrativa em que a todo momento é possível hesitar sobre o que é verdade e o que não passa de mentira e um dos plots que mais saiu fora da curva, quebrando todas as minhas expectativas da realidade de certos ocorridos, foi o da Emma e de Simon. Esse conseguiu me deixar minutos olhando para o canto da parede apenas refletindo sobre a maneira que o autor orquestrou e conduziu tão meticulosamente a trama, onde é quase impossível prever o que vai acontecer nas páginas seguintes de “Quem era ela”.
Achei incrível a forma como o personagem de Edward conseguiu criar um roteiro extremamente minimalista, perfeccionista, meticuloso e calculista com as mulheres com quem se relaciona, definindo sua aparência, seus gostos, suas escolhas e sobre quem aluga ou não sua casa. Essa característica criou um padrão de comportamento austero de auto disciplina, obsessivo, assim como crimes recorrentes em que o bandido sabe exatamente quais são os pontos fracos que dão errado e quais são os que dão certo e que deixam menos pistas para serem encontradas.
“Por outro lado, penso, todos nós costumamos dizer as mesmas frases familiares e usar os mesmos atalhos linguísticos. Todos nós contamos as mesmas piadas para pessoas diferentes, às vezes até para as mesmas pessoas, frequentemente com as mesmas palavras.”
Edward é um sociopata patológico com um desejo incontrolável por poder, sendo incapaz de ter empatia pelos outros, sempre buscando uma perfeição que se desenvolve fora da norma, como uma doença. Além disso, o maior traço do personagem é a capacidade de manipulação para benefício próprio, mesmo que para isso precise transgredir regras básicas. Não é à toa que ele foi descrito como um dos arquitetos mais rígidos do país, sempre firme em suas opiniões, hábitos e no rigor consigo mesmo e com os outros.
Quanto a Emma, ela é o tipo de pessoa manipuladora e mentirosa patológica que gosta de correr riscos, ser dominada e agir pelas costas dos outros. Em comparação com a austeridade de Edward em “Quem era ela”, as mentiras de Emma também se sustentam de forma doente, pela pseudologia fantástica (mitomania – também conhecida como mentira patológica) que é associada a baixa auto estima, a busca de atenção e a um forte desejo de apresentar uma imagem mais favorável de si mesma.
Seguindo isso, Emma está sempre criando novas narrativas para se fazer de vítima e se sentir aceita, importante e indispensável e foi uma das coisas que mais marcou a personagem, porque a verdadeira personalidade dela foi escondida por trás da máscara criada por ela mesma.
“Dizem que há um momento em que os alcoólatras finalmente atingem o fundo do poço. Ninguém pode lhes dizer quando é a hora de parar, ninguém pode persuadi-los. A pessoa precisa chegar por conta própria a esse ponto, reconhecê-lo e somente então terá a chance de mudar as coisas.”
Em relação a Jane, a achei a personagem mais sensata e “normal” de toda a narrativa, apesar de criar desculpas plausíveis para as atitudes estranhas de Edward. Ela deu vida à trama, indo atrás das suas dúvidas, criando teorias e realmente se pondo à frente dos problemas reais que se escondiam pelas paredes de Folgate Street, nº 1, descobrindo da pior forma a verdadeira história trágica da casa e seus antigos inquilinos.
Por fim, a construção da história de “Quem era ela” foi feita com maestria pelo autor, usando fundamentos sólidos e mistérios baseados em distúrbios psicológicos; e a única coisa que realmente me incomodou foi a falta de travessões nas falas dos capítulos de Emma, que dificultaram um pouco a leitura no início, se confundindo com o que era a narrativa pela visão dela, mas que depois se tornou tão fluida quanto às mentiras e histórias inventadas pelos personagens.
“Você pode tornar o ambiente em que vive tão refinado e vazio quanto quiser. Mas isso não importa se você ainda estiver bagunçado por dentro. E, na verdade, todos nós estamos buscando isso, não é mesmo? Alguém que cuide da bagunça que há dentro da nossa cabeça.”
Quanto ao plot final do livro “Quem era ela”, a única palavra que consegue descrever minha reação é PQP! A maneira como os caminhos da narrativa se cruzaram e se desvencilharam ao mesmo tempo nos capítulos finais me deixou completamente aflita pois em momento algum o autor deixa claro que algo realmente é o que aparenta ser e quando tudo começa a fazer sentido, ele troca a vertente do mistério e consegue surpreender ainda mais.
Em resumo, “Quem era ela” se tornou um dos meus livros favoritados do mês e reforçou a importância de um bom thriller e suspense psicológico, um dos gêneros que mais gosto de ler.
Início da Leitura: 07/02/2023
Término da Leitura: 10/02/2023
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
JP Delaney
Ano: 2017
Páginas: 336
Idioma: português
Editora: Intrínseca
É preciso responder a uma série de perguntas, passar por um criterioso processo de seleção e se comprometer a seguir inúmeras regras para morar no nº 1 da Folgate Street, uma casa linda e minimalista, obra-prima da arquitetura em Londres. Mas há um preço a se pagar para viver no lugar perfeito.