Abandonada pela família quando ainda era bebê, Victoria Jones cresceu sem saber o que é amor materno e a falta de afeto fez com que se tornasse uma garota extremamente arisca, esquiva e completamente desconfiada. Com um temperamento difícil e atitudes de uma menina selvagem, Victoria pulou de abrigo em abrigo, não conseguindo permanecer mais do que poucas semanas com pais adotivos, tornando ainda mais complicada a possibilidade de encontrar um lar.
Com tantos problemas envolvendo sua personalidade intensa, Victoria foi considerada inapta para adoção, até que Elizabeth decide fazer de tudo para contornar a desconfiança, o medo e os traumas, mostrando que o carinho e a atenção podem ser muito mais convidativos do que ataques de rebeldia e sentimentos agressivos.
Conforme o tempo passava Elizabeth ensinou à Victoria todas as variedades de flores de seu jardim e arredores do vinhedo onde moravam, onde encontrá-las e quais sentimentos cada uma das pétalas delicadas e caules esguios transmitiam. Com apenas 9 anos, Victoria se apaixonou pelos significados e mensagens secretas das flores, encontrando naquele lar, finalmente, a vontade de ser amada e cuidada.
Contudo, sua forte personalidade e desobediência colocaram a perder tudo que ela tinha de melhor na vida: o amor de uma pessoa que a aceitava como era e que entendia como ser solitária, sem amigos e sem carinho de alguém que amava podia machucar.
Prestes a completar dezoito anos e perder o direito de viver no abrigo onde mora sem pagar aluguel, já que suas necessidades são atendidas pelo estado, Victoria só tem duas opções: ser deixada à própria sorte, sozinha, sem dinheiro, com fome e sem ter onde dormir, ou, encontrar um trabalho para manter a taxa mensal de contribuição no abrigo, podendo viver ali enquanto pagasse sua estadia.
“Agora, adulta, minhas esperanças para o futuro eram simples: queria ficar sozinha, cercada de flores. Parecia que, enfim, iria conseguir seguir exatamente o que desejava. […] De repente, eu soube que queria ser florista. Queria passar meus dias escolhendo flores para desconhecidos.”
“A linguagem das flores” retrata as lembranças turbulentas do passado de Victoria, que está sempre em confronto com as dores e segredos de sua infância, deixando a leitura especialmente trágica, pondo em destaque as consequências de crianças que crescem sem família e o que lhes acontece na ausência do amor incondicional.
A autora conseguiu criar uma narrativa sensível, dolorosa e delicada sobre amor e família, usando uma linguagem que hoje é pouco conhecida e usada. Na era vitoriana, as flores eram usadas para expressar emoções e levar mensagens secretas para quem as recebia, criando uma conversa oculta, sem palavras, mas cheias de significado.
A forma como isso foi usado em “A linguagem das flores” carregou mais ainda as páginas com os sentimentos de Victoria, que sempre usou as flores para comunicar sentimentos como dor, desconfiança e solidão, gerando sempre um confronto entre os traumas do passado com a insegurança de encontrar a felicidade em pequenos gestos.
Apesar das adversidades que transformaram a vida de Victoria, achei a personagem extremamente arredia e muitas vezes ingrata com as possibilidades que eram oferecidas a ela. A personalidade “forte” e rebelde dela, inúmeras vezes, demonstraram apenas um prazer enorme em criar conflitos desnecessários para se sentir vista, sem se importar realmente com as próprias consequências de seus atos e se isso afetaria a vida ou não de outra pessoa.
“Tive a vaga sensação de ser uma criança muito pequena, uma recém nascida até, abraçada com força e aninhada em seus braços. Era como se a infância que eu tivera pertencesse à outra pessoa, a uma garota que não existia mais, que havia sido substituída pela que estava refletida no espelho.”
Acredito que essa característica marcante de Victoria não se deu apenas pela falta de amor incondicional e maltratos, mas por acreditar que não era digna de ser amada, protegida e cuidada; e que essa afirmação criada por ela enraizou em todas as suas relações, aumentando com os anos e se tornando não apenas uma distorção de sentimentos, como também um estágio de depressão e antipatia pelo mundo.
Em relação a Elizabeth e Grant, a paciência e a tranquilidade deles para lidar com os ataques de fúria e ódio de Victoria foi o que trouxe mais significado para a leitura, realmente demonstrando o quanto o amor é paciente em todas as suas formas. Victoria fez da vida de Elizabeth gato e sapato, porém o cuidado com que Elizabeth a tratava foi abrindo pequenas brechas no muro erguido entre elas, aproximando as personagens.
Já com Grant, a relação entre eles permaneceu monotonamente rasa e não consegui criar afeição alguma com os momentos deles juntos, não vendo sentido algum nessa união. A verdade é que achei que Victoria apenas usou a proximidade, afeição e tempo de Grant para tapar um buraco que ela mesma criou em sua vida, descartando-o logo em seguida.
“E talvez, com o passar dos meses, as coisas se tornassem mais fáceis. Era o que eu vinha esperando, mas, até então, não tinha sido assim. Na verdade, parecia estar acontecendo o oposto: a cada dia que passava, eu me sentia mais desolada e as consequências de minhas decisões me pareciam menos suportáveis.”
Surpreendentemente, os capítulos finais me deixaram aliviada com o desfecho de Victoria, que foi muito melhor do que toda a história e personalidade dela durante os anteriores, finalmente dando algum sentido para a narrativa que se desenrolou entre erros e mais erros.
E, apesar dos contratempos e personalidades complicadas da história, a autora conseguiu criar uma narrativa maravilhosa, preto no branco, que contrasta as diversas formas de amor, principalmente a materna, criando conflitos marcantes e cenários realmente dolorosos, carregados por sentimentos que mudam o desfecho num piscar de olhos.
Início da Leitura: 12/02/2023
Término da Leitura: 14/02/2023
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Vanessa Diffenbaugh
Ano: 2011
Páginas: 282
Idioma: português
Editora: Arqueiro
Victoria Jones sempre foi uma menina arredia, temperamental e carrancuda. Por causa de sua personalidade difícil, passou a vida sendo jogada de um abrigo para outro, de uma família para outra, até ser considerada inapta para adoção. Ainda criança, se apaixonou pelas flores e por suas mensagens secretas… até pôr tudo a perder.