“Se fosse possível usar segredos como fonte de energia, não precisaríamos de gasolina; teríamos ressentimentos o bastante neste carro para nos levar até a Escócia.”
Decidindo escapar dos problemas familiares e das pressões do pai sobre sua vida e futuro, Dylan parte para a França em uma viagem pelo mundo na intenção de achar a si mesmo no meio de tantos julgamentos sobre quem deve ser e qual caminho seguir. Enquanto Dylan busca um escape da realidade, Addie aproveita a oportunidade de trabalhar como caseira para sua melhor amiga Cherry, em um pequeno chalé francês, enquanto desfruta de dias ensolarados e típicos das férias de verão. Porém, o que ela não esperava era que o hóspede misterioso, prestes a chegar, iria mexer tanto com seus sentimentos.
“Estou convencida de que esse é o verão da minha vida. É como se… houvesse uma música de fundo tocando, ou como se a saturação das cores estivesse mais forte. Nesse verão não sou a pequena Addie, que fica sempre para trás. Não sou a pessoa de quem os outros esquecem quando contam aos amigos. Não sou a garota que o cara que ignora e some sem maiores explicações quando conhece alguém melhor. Posso ser quem eu quiser.”
Desde o momento em que os caminhos de Dylan e Addie se cruzam, o encontro inesperado desperta diversos sentimentos que marcam suas vidas de maneiras profundas e imprevisíveis. E à medida que o verão se despede, os problemas ressurgem, testando os verdadeiros sentimentos que nutrem um pelo outro.
Dois anos após o término, a vida de Dylan e Addie se cruza novamente de maneira inesperada quando sua amiga em comum, Cherry, anuncia seu casamento. Decidida a embarcar em mais uma aventura, Addie e sua irmã Deb partem para a Escócia em seu Mini, com um desconhecido na carona. No entanto, os planos mudam drasticamente quando o carro em que Dylan está, inesperadamente bate no veículo de Addie. Diante da situação, Addie se vê obrigada a oferecer carona para Dylan e seu amigo, e juntos, os cinco seguem viagem, apertados no pequeno carro, rumo à festa de casamento.
“A estrada da amizade nunca flui suavemente. […] Sinto como se fossemos dois imãs com a mesma força repelindo um ao outro.”
“Na estrada com o ex” é um dos primeiros títulos da autora que leio e, confesso que, imaginava um livro cômico e romântico, porém a temática foi muito além dessa abordagem, apesar de ter momentos de descontração para não dar tanto peso às emoções que surgem ao longo do livro. E ao contrário da própria sinopse que diz que a narrativa é sobre a “angústia dos rompimentos, enquanto tentamos entender o que causou o ressentimento e a tensão entre os protagonistas“, o livro vai muito além da simples dor de um término e traz um romance com mais cara de realidade, com padrões mais realísticos do psicológico humano e da dinâmica interpessoal que vivenciamos ao longo do nosso amadurecimento.
Palavras chave como recomeço, perdão, relacionamentos tóxicos, abuso, assédio moral e stalk são o que definem a intensidade e profundidade nas entrelinhas deste livro. Toda a história gira em torno de traumas dos personagens, muitas vezes associados aos relacionamentos que possuem, tanto de amizade quanto familiares. Dylan é assombrado pelas expectativas de seu pai em torná-lo uma cópia da própria personalidade e acaba tendo que lidar com a depressão, pânico e estagnação pelo medo de não ser digno do que deseja ou não alcançar seus objetivos.
“A Addie me disse para voltar para casa, para ela, quando eu descobrisse o que eu queria fazer da vida. Então, fui ficando, mas não descobri nada, e voltar para casa ficou, você sabe, ainda mais difícil.”
Além de ser completamente imaturo, Dylan é extremamente influenciável pelas opiniões de quem acredita estar querendo o bem dele, ao invés de enxergar com os próprios olhos e tomar suas decisões.
“Todo mundo diz que que não existe essa coisa de pessoa certa, e que há muitos peixes no mar, mas, toda vez que encontro um desses peixes, sinto ainda mais falta de Addie. Desisti de reconquistá-la, só que isso não parece bastar para eu esquecê-la. Era de se imaginar que a agonia do amor não correspondido seria suficiente para que eu parasse de pensar nisso, mas parece que não.”
Addie por outro lado possui características de uma pessoa com complexo de inferioridade, não se sentindo digna de receber amor, e sua falta de autoestima é um grande obstáculo que causa dificuldade em estabelecer relacionamentos saudáveis com outras pessoas. Muitas vezes durante a leitura ela se sente mediana em comparação a outras pessoas, fora do padrão da sociedade e acaba se vendo como “descartável”, o que acaba levando ela a não saber se abrir emocionalmente sofrendo com decisões e com as palavras que gostaria de expressar, fazendo com que fuja ou se sinta culpada por algo.
“Eu me contorço e afasto o lençol do rosto, subitamente sem fôlego. Acho que ele vai dizer aquilo e, assim que disser, pronto, vai ser como se tivesse colocado um registro de data e hora na nossa vida. Criando um antes e um depois. Sinto isso chegando como se eu estivesse acelerando em direção a alguma coisa e, em um instante de pânico, acho que devo pisar no freio.”
E, claro, o personagem que mais me incomodou durante todo o livro, pelas péssimas características que possui, Marcus é manipulador, babaca (a famosa pessoa que acha que sua atitudes são “seu jeitinho particular de ser”), egocêntrico, que não consegue demonstrar empatia, não consegue colocar no lugar do outro, porque está constantemente ocupado com os seu “eu” e com os seus próprios interesses, pensando apenas em si mesmo em primeiro lugar e achando que suas atitudes narcisistas e sensação de superioridade são “proteções” para que ninguém “machuque” seu querido amigo Dylan.
A única personagem sensata é a Deb, a forma como ela é retratada no meio desse caos do grupo de cinco amigos, a torna uma mulher madura e a única adulta do grupo, pouco se pode imaginar que também está na casa dos 20 anos.
De todos os personagens, os únicos que tiveram amadurecimento, ainda que pouco, foram Addie e Dylan. Dylan finalmente conseguiu tomar atitudes para reconhecer seu erro e amenizar situações que outrora teria ficado calado, permitindo que Marcus direcionasse sua arrogância e ciúme a Addie. Já Addie mudou de uma forma que eu pouco esperava, amadureceu e se mostrou forte para dar a sua opinião nos momentos certos, não ficando mais calada diante de palavras que a feriam.
Apesar da intensidade de informações que o livro carrega, a autora conseguiu amenizar a angústia da leitura com uma cena inusitada onde os personagens são obrigados a conviver e relembrar suas dores para poder curá-las – uma verdadeira sessão de terapia para enfrentar os traumas. Beth O’Leary conseguiu escrever um livro profundo demais para que seja absorvido sem um olhar minucioso e trouxe um tema importantíssimo que é o relacionamento tóxico.
Isso é retratado durante todo o livro em diversos níveis, como exemplo, o relacionamento de Dylan com o pai, onde ele sofre assédio moral e pressão, o que nos faz refletir em como não podemos aceitar essas atitudes mesmo que seja vindo de um familiar – seja pai, mãe, avô, avó, tio, tia etc. E até mesmo no relacionamento de Marcus com o Dylan, em que a amizade deles é baseada em superproteção, manipulação da verdade e que cria raízes na mentira e nas invenções.
E não menos importante, o abuso. Addie sofreu abuso sexual e manteu isso guardado, enraizado em seu coração, com medo de contar aos outros por esperar opiniões ruins ou até mesmo por dizerem que é culpada por esse acontecimento.
Em todo momento da leitura de “Na estrada com o ex” senti angústia, raiva e nojo de algumas cenas e creio que essa tenha sido a intenção da autora, fazer com que saíssemos da zona de conforto de um romance padrão para tentar enxergar a grandiosidade dos relacionamentos humanos, que vão muito além da questão física e envolve complexidades ainda maiores que fazem parte do psicológico. Afinal, a capa do livro em si traz conforto, enquanto a história remexe com as emoções.
“Esse é o problema com o quase: você pode estar noventa e nove por cento lá, pode estar a dois centímetros de fazer alguma coisa, mas se não se convencer a ultrapassar esse limite, ninguém nunca vai saber como você chegou tão perto de fazer isso.”
E, por último, a retratação do perdão em “Na estrada com o ex”, posso dizer que não consegui sentir em momento algum empatia para que o perdão dos personagens fossem verdadeiramente aceitos. Achei que esse ponto foi tratado de maneira muito rápida apenas para dar um fim bonito e aceitável, quando na verdade deveria ter sido trabalhado melhor durante o livro – visto que boa parte das atitudes de alguns personagens não mudou em nada. Afinal, ninguém muda da água para o vinho de um dia para o outro, é apenas utopia.
Início da Leitura: 02/04/2024
Término da Leitura: 07/04/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Beth O’Leary
Ano: 2022
Páginas: 416
Idioma: português
Editora: Intrínsecos
Às vésperas do casamento de uma amiga em comum, os caminhos dos dois se cruzam novamente. Ou melhor, colidem. Quando, logo no início da viagem para a festa, o carro em que Dylan vai com um amigo bate no que Addie está com a irmã e um sujeito que pediu para ir junto, os planos mudam. Addie se vê obrigada a oferecer carona para a dupla, e, espremidos no carrinho, os cinco retomam a jornada.