Antes de começar a crítica sobre o livro, quero compartilhar com vocês uma breve reflexão. Esse foi o meu primeiro contato com o autor, que veio muito bem recomendado (pela Paty, que já leu algumas obras dele). Apesar de recomendações serem interessantes (e importantes) para conhecermos bons livros, sinto que sempre preciso de algo a mais para acender a faísca do interesse por um livro.
E essa faísca sempre brilha mais forte quando entro em uma livraria e tenho contato direto com os livros. Foi o caso desse livro (e muitos outros), explorando as prateleiras e lendo as resenhas no ato, trocando ideias com os livreiros. Acredito que esse contato humano, troca de ideias, que a literatura – e a cultura em geral – proporciona é dos mais importantes presentes que ganhamos, além das histórias, perspectivas e mundos incríveis que exploramos em cada porta que se abre junto das páginas de um livro. Aproveitem, sim, as promoções da internet, mas valorizem suas livrarias locais sempre que possível, criem comunidades, participem e divulguem esses espaços.
Bom, vamos ao que vos interessa!
Em Identidades Cruzadas, acompanhamos a história de um “Mogli” dos tempos atuais. Harlan nos apresenta Wilde, um sujeito que tem suas razões para ser o cara fechado, desconfiado e eremita que é. Wilde passou sua primeira infância sozinho nas florestas, invadindo casas de veraneio vazias, roubando roupas e comendo o que encontrava. Quando tinha cerca de 7 anos, foi encontrado, numa floresta perto dos Apalaches (cordilheira entre Nova Iorque e Nova Jérsei, nos EUA).
Apesar dos traumas e de não saber nada do seu passado, Wilde conseguiu sobreviver, foi adotado e com o tempo, formou seu núcleo familiar: Lola (sua irmã adotiva e uma espécie de hacker que tem uma agência de serviços privados), Hester Crimstein (uma advogada famosa e sua figura materna) e David (seu irmão – filho de sangue de Hester – que já havia morrido num acidente de carro anterior à história deste livro, mas que tem um peso nesta narrativa). Outros personagens, também importantes para Wilde, aparecem orbitando esse núcleo, como Oren (namorado de Hester e policial aposentado), Laila (viúva de David) e Matthew (filho de Laila e David).
Apesar de não dar muitos detalhes, o livro dá a entender que Wilde se formou homem de forma isolada, trabalhando com coisas que lhe deram habilidades de sobrevivência e combate. No momento do livro, ao redor dos seus 40 anos, desiludido com as tentativas frustradas de conhecer mais sobre seu passado, Wilde vive em uma cápsula autossustentável em uma floresta (pasmem!) nas redondezas da casa da família Crimstein e raramente entra em contato com os seus, somente em casos específicos (…ou – spoiler alert – para eventuais encontros amorosos com Laila).
Em uma de suas buscas, Wilde se cadastrou num site de genealogia, na esperança de encontrar algum fio que ele pudesse seguir para encontrar sua família de sangue.
Com a ajuda de Hester e Oren, Wilde consegue localizar esse usuário, de nome Daniel Carter, que acaba por ser seu pai biológico. Daniel, que construiu uma outra família, com a esposa Sofia e suas duas filhas, demonstra uma compaixão bem diluída e não ajuda muito a identificar outros parentes, somente compartilhando informações bem difusas sobre suas desventuras românticas no velho continente durante seu tempo como oficial da aeronáutica americana.
Daí em diante, a história se desenrola em duas frentes. A primeira trama segue com a busca de Wilde para encontrar suas origens a partir das informações embaralhadas que conseguiu com seu pai, além de mais uma mensagem de outro usuário compatível, identificado como ‘PB’, que teoricamente é seu parente por parte de mãe. A trama paralela apresenta ações de um grupo de justiceiros cibernéticos – o Boomerang – que buscam trolls virtuais, os julgam dentro de um código moral que eles mesmos criaram e os punem de acordo com o que consideram justo para cada ocasião.
Durante a busca de sua família biológica, Wilde se envolve, sem querer, numa investigação de assassinatos em série, ao mesmo tempo que se encontra com ‘PB’, ou neste ponto, Peter Bennet, um antigo participante de um reality show de relacionamentos instantâneos e midiáticos, que enfrenta uma grande polêmica que destruiu seu status.
Através dessa mensagem e de seu envolvimento com a investigação dos assassinatos e de mudanças de dinâmica em sua vida pessoal (dentro de seu núcleo familiar), Wilde entra em contato com uma realidade de frenesi, com pessoas famosas, investigações (criminais e genealógicas), algo totalmente oposto à sua costumeira rotina de calmaria, com caminhadas em meio à natureza e isolamento. Mas, incrivelmente, se mostra mais do que capaz de navegar pelas adversidades que lhe são apresentadas.
Enquanto escrevia este texto, descobri que na verdade este título é uma sequência de um livro escrito anteriormente por Coben – O Menino do Bosque. Apesar disso, acho que a história se sustenta sozinha, sem a necessidade de ler o outro livro para entender este. Talvez a “falta” de detalhes ajude com o ambiente de dúvida que o próprio personagem tem de suas origens.
O mix de investigação criminal, atrito familiar, ciberativismo (com passagens que instigam os interessados no assunto), críticas sobre a fama, suas consequências e os limites do ser humano para atingir e manter seu status quo dentro desse contexto de “sucesso” imposto pela sociedade funciona muito bem. A escrita de Harlan traz um humor, dinâmica interessantes e reviravoltas bem criativas e característicos dos suspenses criminais americanos, lembrando um pouco o estilo de outro autor (que já li e gosto bastante), o Jeff Lindsay – da série de livros do Dexter, que inspirou o aclamado seriado de mesmo título.
Início da Leitura: 28/04/2024
Término da Leitura: 27/05/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Harlan Coben
Ano: 2023
Páginas: 304
Idioma: português
Editora: Arqueiro
Aos sete anos, Wilde foi encontrado morando sozinho na mata e ficou conhecido por todos como “o menino do bosque”. Agora, depois de uma tentativa malsucedida de se integrar à sociedade, ele está decidido a voltar para a floresta das montanhas Ramapo, o lugar a que realmente pertence.