Pequena Abelha, ou Abelhinha, é uma jovem nigeriana refugiada, que fugiu de seu país após o horror da exploração de petróleo devastar o território de sua aldeia e tribo. Vinda de um lugar que um dia fora sua casa, ela se viu obrigada a fugir dos homens pagos para matá-la, enquanto seu lar se transformava em um campo de petróleo. Durante o período de militarização e disputa pelo território petroleiro, Abelhinha e sua irmã passaram dias caminhando, correndo e se escondendo, tentando escapar do terror e da morte.
“Embarquei como clandestina num grande navio de aço, mas o terror embarcou junto dentro de mim. Quando deixei minha terra natal pensei ter escapado, mas em alto-mar comecei a ter pesadelos. Fui ingênua ao imaginar que saíra de meu país sem nada. Era uma carga pesada, a que eu levava.”
Do outro lado do continente, em Londres, enquanto Pequena Abelha tenta sobreviver, Sarah luta contra a monotonia de seu casamento e as brigas que esfriam seu relacionamento, enquanto esconde sua vida adúltera. Cansada da mesmice de sua nova vida após a gravidez, Sarah decide reavivar seu casamento com Andrew, achando que o que precisam é de um tempo juntos, sozinhos.
Escolhendo a Nigéria como destino, Sarah e Andrew viajam para aproveitar o sol africano, sem saber que naquele momento havia uma guerra por petróleo acontecendo próximo onde estavam hospedados. Um caso confuso, rápido e pouquíssimo divulgado, onde poucas pessoas realmente sabiam o que tinha ocorrido, e nem mesmo os governos britânico e nigeriano confirmam que aconteceu.
Passeando pela praia perto do hotel, Sarah e Andrew jamais imaginariam que as férias que tanto desejavam se transformariam no pior pesadelo de suas vidas. Duas fugitivas imploram para serem levadas com eles, um grupo de milicianos ameaça matar a todos e apenas uma das meninas irá sobreviver.
Após conseguir fugir de seu país e passar dois anos presa em um centro de imigrantes, onde era tratada como escória, Pequena Abelha consegue sair com mais três refugiadas, na esperança de sobreviver em um mundo que as vê como pessoas indesejadas em um país onde não deveriam estar. Em um mundo de brancos, ingleses e pessoas de boas condições, Abelhinha se aventura ao longo do rio Tâmisa para chegar ao único lugar que conhecia: Kingston-upon-Thames, onde Sarah e seu marido Andrew trabalham como colunistas de uma revista.
Anos depois, sem relembrar aquele fatídico dia em que conheceu Abelhinha, Sarah acha que sua vida, que saiu do eixo após o suicídio de Andrew, voltaria a se ajeitar. Mas então, a Pequena Abelha aparece em sua porta pedindo refúgio. Sarah, sem saber como reagir, acaba sentada à mesa da cozinha, escutando uma refugiada, que achara que tinha morrido, falar sobre seu terrível medo de viver e relembrando o horror que passaram naquelas atípicas férias de verão.
“Não era minha intenção fazer Sarah sofrer mais ainda. Não queria contar a ela o que havia acontecido, mas agora tinha de contar. Não conseguia parar de falar porque, agora eu começara minha história, essa história queria ser concluída. Não podemos escolher onde começar e onde parar. Nossas histórias é que são as contadoras de nós.”
O tema de “Pequena Abelha”, em si, é uma obra de arte, que aborda a exploração do petróleo na África, uma indústria petrolífera sombria, mas extremamente lucrativa no país, e o massacre de tribos africanas, um assunto tão pouco explorado na mídia e que comove profundamente. Sendo o petróleo bruto o principal produto de exportação da Nigéria, a história, apesar de ser fictícia, retrata bem os horrores enfrentados pelas aldeias ao perderem suas casas para um mercado exploratório e a sede de poder de redes corruptas na disputa por um território delta.
“Enquanto isso, na refinaria, por um processo de destilação, o futuro de minha aldeia era separado em suas frações. A fração mais pesada, a sabedoria de nossos avós, foi usada para asfaltar as estradas de vocês. As frações medianas, as economias cuidadosas de nossas mães, as moedinhas que elas guardavam depois da época da colheita, essas foram usadas para abastecer seus carros. E a fração mais leve de todas – os nossos sonhos fantásticos de crianças nas horas mais sossegadas das noites de lua cheia -, bem, esses saíram em forma de gás, que vocês engarrafaram e estocaram para o inverno.”
O começo do livro é bastante lento e muitas vezes monótono, focando muito no drama dos personagens e divagando por momentos do passado, extremamente detalhados e repetitivos. Os personagens perdem-se em seus próprios pensamentos, detalhando todas as ações, o que veem, o que pensam, o que ouvem, o que falam, voltando diversas vezes à mesma informação.
No entanto, a narrativa vai revelando aos poucos as perspectivas do que realmente aconteceu nas férias de Sarah na Nigéria e o horror sofrido por Abelhinha e sua irmã, Nkiruka, e é nesse momento que o livro te prende de forma que você não consegue parar de ler. A história flui fácil, de forma chocante, enquanto Pequena Abelha relembra o dia que saiu de sua aldeia, tentando sobreviver e foi parar em Londres, a quilômetros de distância, sem saber se Sarah a acolheria.
A visão de Sarah é apresentada na primeira pessoa, oferecendo uma perspectiva íntima e pessoal de suas reflexões. Contudo, achei que suas divagações sobre sua vida adúltera saíram um pouco de contexto e se aprofundaram demais, tirando o foco do tema que realmente importava.
Por outro lado, a narrativa de Abelhinha quebra a quarta parede e é como se ela estivesse conversando diretamente com você (como se você fosse um britânico a quem ela está se dirigindo), criando uma conexão imediata e emocional com o leitor. Diversas vezes me emocionei com a franqueza das histórias, com o horror que ela passou ao ser capturada pelos milicianos, após Sarah tentar salvar a ela e sua irmã na praia, e com a maturidade adquirida por ela, mesmo sendo tão nova.
Apesar de ter apenas 16 anos, Abelhinha parece muito mais velha devido às suas experiências traumáticas. Ela ficou apenas com as memórias de seus dias na aldeia, tempos felizes que agora parecem distantes e para sobreviver em um país que a trata com racismo e desprezo, Abelhinha teve que abandonar seus costumes, jeitos e formas de falar. Determinada a se adaptar, ela estudou os costumes britânicos, aprendeu a história do país e dominou o inglês rebuscado que eles utilizam, e até mesmo aprendeu a se portar educadamente como uma rainha, na tentativa de se integrar, mesmo sabendo que nunca seria verdadeiramente aceita.
Nos momentos de solidão e desespero, Abelhinha constantemente pensa em como se matar caso os homens que a perseguem reapareçam. Sua mente está sempre alerta, observando ao redor e avaliando os objetos e circunstâncias que poderiam ser usados para tirar sua própria vida, caso fosse necessário.
“É bom viver assim. A partir do momento em que você está preparada para morrer, não sofre tanto com o terror. Por isso eu estava sorrindo apesar do nervosismo; porque estava preparada para morrer, naquela manhã em que me soltaram.”
Essa transformação forçada e pesada revela uma profundidade e resiliência notável na personagem. Sua capacidade de adaptar-se a um ambiente hostil, mantendo-se viva e lúcida, demonstra uma maturidade e inteligência que vão além de sua idade. Ela representa a luta incessante de uma jovem que, apesar de tudo, se recusa a ser aniquilada pela crueldade do mundo ao seu redor.
“Tive a sensação de que, se desse um passo à frente, a própria terra se levantaria e me rejeitaria. Não havia mais nada de natural em mim àquela altura. Fiquei ali, com minhas botas pesadas, meios seios apertados por um pano, nem mulher nem menina, uma criatura que esquecera a própria língua e tinha aprendido a sua, cujo passado se desfizera em pó.”
Quanto a Lawrence, amante de Sarah, o achei mesquinho, egoísta, infeliz e um merd*. Lawrence deposita toda a sua esperança de ser um homem bom em Sarah e acha que ela é sua salvação, a única fração da felicidade que ele possui na vida. Ele pensa apenas em si próprio, no seu bem estar e na sua “salvação”, achando que sabe mais sobre o mundo do que qualquer outra pessoa. Acha que convencer Sarah a deportar Abelhinha é a melhor opção (não para ela, mas para ele) quando, na verdade, ela é uma mulher que sabe muito bem o que quer e possui muito mais avidez em mudar o mundo ao alcance dela, do que ele jamais teria. Lawrence é medroso.
Ele deposita toda a frustração de sua vida profissional, conjugal e pessoal tentando sustentar a opinião de que a atitude de Sarah em querer tentar salvar Abelhinha é impensada, perigosa e criminosa, sendo que nem ele próprio sabe o que fazer com a própria vida.
Mas, ao contrário deste sentimento dele em não querer que ninguém tire a atenção de Sarah dele, Sarah é forte, sabe sua opinião, possui esperança e garra para salvar e fazer o bem, mesmo sem poder mudar o mundo por completo. Apenas uma fração do que ela faz já é mais do que suficiente para torná-la uma personagem com consciência de que se cada pessoa ajudasse, de alguma forma, o mundo poderia ser melhor do que é hoje.
“Um ser humano, porém, é coisa completamente diferente. A existência de uma garota nigeriana, viva e presente no nosso jardim – os governos podem negar essas coisas, ou varrê-las para longe como anomalias estatísticas, mas os seres humanos não podem.”
A história de “Pequena Abelha” é um retrato poderoso da luta pela sobrevivência e da resistência contra as forças opressoras. A relação entre Sarah e Abelhinha é complexa e comovente, mostrando como duas vidas completamente diferentes podem se cruzar e impactar uma à outra de maneiras profundas e inesperadas.
Início da Leitura: 08/07/2024
Término da Leitura: 10/07/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Chris Cleave
Ano: 2010
Páginas: 272
Idioma: português
Editora: Record
Essa é a história de duas mulheres cujas vidas se chocam num dia fatídico. Então, uma delas precisa tomar uma decisão terrível, daquelas que, esperamos, você nunca tenha de enfrentar. Dois anos mais tarde, elas se reencontram. E tudo começa.