Em 1947, Dwight “Bucky” Bleichert, um ex-boxeador, acaba de ser transferido de seu atual trabalho na polícia para ingressar na Divisão de Capturas de Los Angeles, após ter conseguido fundos importantes para o departamento em uma luta com o detetive e ex-pugilista, Lee Blanchard.
Com o novo cargo, Bucky e Lee começam a trabalhar juntos, e em uma de suas rotineiras patrulhas noturnas para prender membros de facções, bêbados e prostitutas pelas ruas de Los Angeles, Bleichert nota uma movimentação incomum de carros policiais em uma rua próxima e decide investigar.
Ao chegarem à cena do crime em um terreno baldio, se deparam com o corpo de uma mulher brutalmente mutilado, com o tronco cortado ao meio, um corte na boca de orelha a orelha, órgãos faltando e todo o sangue drenado. Naquele instante, Bucky e Lee se veem imersos em um mistério sombrio, imaginando que tipo de psicopata poderia ter cometido tal atrocidade, quem era a mulher e o que poderia ter levado a esse fim macabro.
“Os cortes mergulhavam até o osso, mas o pior de tudo era o rosto da jovem – um enorme machucado de tom púrpura, o nariz esmagado para o interior da cavidade facial, a boca cortada de orelha a orelha num sorriso que escarnecia de você, de algum modo menosprezando todo o resto da brutalidade infligida. Soube que levaria aquele sorriso comigo para o túmulo.”
Movidos por uma curiosidade insaciável e um desejo incontrolável de dar voz à desconhecida assassinada, os dois criam uma obsessão pelo caso e acabam se envolvendo nas buscas pelo responsável daquele crime. Bucky e Lee são designados para liderar a investigação, e a vítima, até então anônima, rapidamente se torna o foco das mídias, que costumava apelidar crimes particularmente sinistros, ficando conhecida como Dália Negra, uma pequena comparação a um filme noir de mistério e assassinato, “The Blue Dahlia” de 1946, um ano anterior ao ocorrido que ficou famoso em todos os EUA.
À medida que a investigação avança, Bleichert descobre que o corpo desmembrado e mutilado pertence a Elizabeth Short, uma jovem aspirante que deixou Boston em busca dos sonhos de ser uma nova atriz de Hollywood. Em meio a uma cidade repleta de esperanças despedaçadas e segredos sombrios, Bucky e Lee mergulham em uma rede de intrigas, obsessões e perigos, tentando desvendar o mistério por trás do crime mais infame e brutal da história de Los Angeles.
Cada pista os leva mais fundo aos crimes da cidade, enquanto a verdadeira face do horror começa a se revelar. Ao seguir sozinho uma pista em bares de lésbicas, Bleichert conhece Madeleine, uma jovem que, fisicamente, se parece muito com Dália, imitando seus jeitos, e sua obsessão se torna cada vez maior, levando-o a perigos ainda mais conflitantes na história de Elizabeth.
“Dália Negra” foi um dos livros de suspense e mistério mais instigantes que já li, por dois motivos que considero o troféu dos livros desse gênero. O autor, James Ellroy, passou pelo divórcio de seus pais e teve sua mãe assassinada em 1958 (encontrada estrangulada perto do playground de uma escola no sul da Califórnia), um caso que também não foi solucionado até os dias de hoje.
Com os acontecimentos, Ellroy passou a se envolver em pequenos delitos como furtos em lojas e casas, começou a usar drogas e beber e acabou se tornando um sem teto por determinado período, até ser preso. Saindo da cadeia, passou por trabalhos em um campo de golfe até que começou a escrever romances, muitos deles baseados em sua própria história e em casos de assassinatos, como o de sua mãe, que virou o cenário perfeito para que o autor pudesse usar sua objetividade e tristeza para escrever livros que prendem o leitor devido a forma rude e direta/espontânea de sua narrativa.
“A morte de minha mãe corrompeu e fortaleceu minha imaginação. Liberou-me e me constrangeu ao mesmo tempo. Determinou meu currículo mental. Eu me formei em crime e me especializei em mulheres vivisseccionadas. Cresci e escrevi romances sobre o mundo masculino que sanciona suas mortes” – Citação de Ellroy para um artigo para a revista “GQ” que precedeu a publicação do livro”
Associando-se a um ex-investigador da polícia de Los Angeles, especializado em homicídios de resolução complicada, o caso de Elizabeth se tornou uma obsessão para Ellroy e “Dália Negra” foi uma das narrativas, baseadas em fatos reais, que levou o autor ao sucesso.
O começo do livro achei arrastado demais, contando histórias de Bucky que servem apenas para falar do personagem, da vida dele de ex-boxeador, mas que não traz quase contexto algum com a ligação de como se tornou policial, tentando a sorte na Divisão de Capturas, no departamento de polícia de Los Angeles.
Bucky mergulha de forma tão profunda no caso, desenvolvendo uma obsessão tão intensa, que começa a colocar sua reputação na polícia em risco. Sua fixação chega a níveis perturbadores, com ele alimentando fantasias sexuais sobre Betty, imaginando-a como sua parceira e tentando encontrar em outras mulheres, ou melhor, em Madeleine, o prazer que sente ao pensar em possuí-la. Essa imaginação quase voyeurística adiciona uma camada de desconforto à leitura e fiquei um pouco enojada com a situação algumas vezes.
Uma característica que gostei muito na escrita de Ellroy é a sua forma direta de tratar certos assuntos, não se prolongando muito nas explicações. A narrativa não é frenética como a escrita de Harlan Coben, James Patterson ou outros autores que seguem o mesmo tipo de gênero, mas consegue trazer detalhes sombrios e visões bem nítidas dos casos.
Além disso, o autor traz outra característica famosa da época, transformando Elizabeth Short em uma femme fatale, que seduz a todos, se tornando objeto de desejo entre os homens e um anjo aos olhares, por se parecer frágil e delicada. E Bucky como alguém obcecado, viciado e incapaz de tomar decisões racionais ou gerenciar sua própria vida pessoal após ceder a sua obsessão e “paixão” sombria por Betty.
Apesar de todas as pontas do assassinato brutal de Dália estarem amarradas pelo autor (já que até hoje não se sabe quem cometeu o crime), Ellroy diversas vezes se tornou prolixo em sua narrativa. Dito isso, as partes II e III do livro ficaram extremamente arrastadas e com uma narrativa que destaca completamente do assunto, que é a investigação do caso Dália. Apenas um ou outro vislumbre de uma nova pista aparece, muito raramente, e então Bucky volta a entrar em parafuso com sua imaginação e fetiche por Betty, a garota morta, violada e cortada ao meio.
“Jamais a conheci em vida. Ela existe para mim através dos outros, dos depoimentos dos caminhos em que a sua morte os lançou […] E como lhe devo muito e sou o único que sabe a história inteira, incumbi-me de escrever essas memórias. […] O caso que estraçalhara a vida da maior parte das pessoas próximas a mim, o enigma humano sobre o qual eu tinha de saber tudo. Esta era a minha perspectiva final, e estava entranhada ate a medula.”
No entanto, apesar da prolixidade nessas partes, Ellroy conseguiu desenvolver um final satisfatório, que deu sentido ao sumiço de Blanchard, que tinha me deixado confusa pela repentinidade, e trouxe uma resolução ao caso da Dália dentro do contexto de seu romance. O plot criou uma reviravolta que eu não esperava e que tornou a narrativa ainda mais sensacional, como já era esperado pela sinopse do livro e pelos impulsos do autor em querer dar voz a assassinatos não resolvidos e casos que ficaram perdidos na história, abandonados por falta de pistas ou responsáveis.
Início da Leitura: 13/06/2024
Término da Leitura: 16/06/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
James Ellroy
Ano: 1993
Páginas: 389
Idioma: português
Editora: Pauliceia
Em janeiro de 1947, o corpo mutilado de uma mulher jovem é encontrado em um terreno vazio em Los Angeles. O crime até hoje não foi solucionado. Dália Negra é uma história magistral de ambição, insanidade, paixão e traição.