O Centro Dinamarquês de Informações sobre Genocídios (CDIG) é um arquivo público que realiza pesquisas e exposições sobre os diversos genocídios ocorridos na história da humanidade, criado para coletar informações sobre o tema e disponibilizá-las, na Dinamarca e no exterior, a pesquisadores, políticos, organizações humanitárias e qualquer pessoa que se interesse verdadeiramente pelo extermínio de comunidades, grupos étnicos, raciais ou religiosos. Nele trabalham quatro mulheres: Malene, gerente de projetos; Iben, analista de informações; Camilla, secretária; e Anne-Lise, bibliotecária.
Iben acaba de voltar ao trabalho após ter sido feita refém em uma choça africana perto de Nairóbi, no Quênia, onde estava trabalhando para uma organização internacional, que tenta permanecer neutra nos conflitos tribais. Ela frequentemente se lembra do horror e do medo que dominaram a vida de todos durante aquele período. Iben conseguiu escapar e tornou-se uma “heroína” aos olhos de todos no CDIG, mesmo sabendo que sua sobrevivência foi apenas por sorte e por ter conseguido criar uma conexão com os sequestradores.
Malene, a gerente de projetos, trabalha no setor há anos e vive com o medo constante de que o centro feche ou que ela seja demitida, especialmente por causa de sua idade e de sua artrite reumatoide, uma doença crônica e incurável.
Anne-Lise, a bibliotecária, é isolada das demais e relegada a uma área fechada do escritório, próxima à biblioteca. Ela tem pouco contato com o trabalho das outras e é forçada a fazer tarefas que não a interessam, sentindo-se cada vez mais deslocada e excluída. Malene, Iben e Camilla frequentemente fazem piadas e brincadeiras de mau gosto com Anne-Lise, que se torna alvo constante de bullying. Contudo, elas negam suas atitudes infantis e anti-profissionais, alegando que as reclamações de Anne-Lise são fruto de sua imaginação paranoica ou de estresse.
“Ela achava que o verdadeiro motivo era que as outras tinham conspirado para manter seu trio aconchegante. Ela achou que ficaria mais fácil quanto mais tempo trabalhassem juntas. Agora parecia que as barreiras nunca seria eliminadas.”
A situação se agrava quando Malene e Iben recebem um e-mail com ameaças de morte e suspeitam que Anne-Lise seja a autora, devido à sua constante insatisfação e raiva das colegas. Malene e Iben começam a manipular situações e criar estratégias de poder para que Anne-Lise se sinta cada vez mais incomodada e acabe afastada do trabalho. O ambiente no escritório se torna hostil, com uma verdadeira guerra psicológica em andamento.
A tensão atinge um novo patamar quando uma caixa cheia de sangue cai de uma prateleira da biblioteca sobre Anne-Lise, que acredita ser mais uma das brincadeiras de mau gosto de suas colegas. Todas negam envolvimento, e os problemas e paranoias de todas começam a se intensificar.
“Algo passa pela mente de Iben. Anne-Lise não pode ser tão cruel! Ou pode? Deve ter sido outra pessoa. Mas então seu bom senso lhe diz que seus instintos devem estar errados. Anne-Lise é capaz de todo tipo de coisas. E, apesar de sua aparente calma, elas sabem que, no fundo, Anne-Lise é furiosa.”
O uso da “psicologia do mal”, de Browning, baseada em um estudo de quinhentos alemães comuns, todos homens, que foram mandados à Polônia e, uma vez lá, receberam ordens de matar judeus, é o tema central do livro e muito bem trabalhado pelo autor. A definição do que é mal é dada de forma egocêntrica, a partir do ponto de vista do observador. Diferentes culturas entendem o mal de maneiras diversas, e conduzem suas leis de acordo. Fatores sociais, situacionais e sentimentais também influenciam a percepção do mal e quando o ambiente não é propício para o desenvolvimento desses fatores, ocorrem mudanças na maneira de pensar, agir e interpretar o mundo.
“Mas elas deviam ser capazes de ser superiores à raiva. Trabalhar ali traz certas obrigações. Elas passam cada dia compilando e transmitindo informações sobre as tragédias que acontecem quando a raiva sobrepuja o bom senso. Então, se nem mesmo Malene, Iben e Camilla conseguiam demonstrar autocontrole, quem poderia?”
O autor explora essa temática ao retratar os inúmeros genocídios acometidos em todo o mundo, principalmente durante a era nazista, e explica como as pessoas podem se transformar sob pressão. Durante o livro, Jungersen revela as características de cada personagem, mostrando os diversos lados dos acontecimentos e a forma como enxergam as rivalidades, amizades e profissão. O jogo psicológico entre as personagens é tão intenso que elas começam a acreditar que suas invenções são reais, criando uma verdade falsa.
“Dezenas de experimentos em psicologia social provaram que, depois de tomar uma decisão complexa, as pessoas em geral procuram por motivos que confirmem que estão certas. Nesse momento eles se esquecem de outras considerações e se convencem de que suas opções eram significativamente diferentes. Dito de forma simples: a justificativa pós-fato facilita a vida.”
Malene, Iben e Camilla se tornam amigas apenas por conveniência, mudando de opinião e atitude rapidamente conforme suas necessidades emocionais. Malene é a personagem mais irritante do livro, completamente imatura e controladora. Iben, que inicialmente parece sensata, também revela comportamentos infantis e manipuláveis. Anne-Lise, apesar de sofrer com o antiprofissionalismo das colegas, é a mais forte e sensata, não retribuindo as maldades que sofre.
O livro aborda também o conceito de gaslighting, onde a manipulação psicológica causa grande sofrimento emocional à vítima, que se coloca em uma posição de vulnerabilidade perante o manipulador.
Christian Jungersen consegue juntar temas e tópicos importantes em uma trama muito bem calculada, com a tensão e fragilidade humana em relação à psicologia. Além disso, o autor deixa em aberto diversos finais, permitindo ao leitor criar o desfecho que achar mais adequado. Achei estranho um livro tão bom não ter tido tanta divulgação aqui no Brasil, enquanto no exterior o sucesso foi garantido. Afinal, somos a exceção ou a regra? Nosso futuro será, em grande parte, determinado por nossas atitudes, nos fazendo refletir sobre como chegamos até aqui e o que isso nos diz sobre quem somos como parte da sociedade.
“Nós distorcemos nossas lembranças quando isso serve aos nossos propósitos. Nossos pensamentos também. Não podemos confiar nem em nossos sentidos; remodelamos as mensagens que eles mandam de modo que se adaptem a nossas necessidades.”
Início da Leitura: 17/07/2024
Término da Leitura: 24/07/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Christian Jungersen
Ano: 2008
Páginas: 560
Idioma: português
Editora: Intrínseca
A politicagem no trabalho pode ser irritante, deprimente ou talvez ridícula. Mas pode resultar em situações caracterizadas por psiquiatras e juristas como assédio moral ou coisa pior e o apodrecimento das relações profissionais de quatro mulheres e um diretor, funcionários do Centro dinamarquês de informações sobre Genocídio, em Copenhague.