A codependência pode ter um impacto significativo na vida de uma pessoa, afetando sua capacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis e de cuidar de si mesma. Se você ou alguém que você conhece está lidando com questões de codependência, é essencial buscar orientação e ajuda profissional. A terapia e os grupos de apoio podem proporcionar as ferramentas e o suporte necessários para iniciar o processo de cura e promover uma vida mais equilibrada e independente. Não hesite em procurar ajuda — cuidar de si mesmo é um ato de coragem e o primeiro passo para uma vida mais saudável e feliz.
Bartholomew Neil passou sua infância até os 40 anos de idade como um cuidador dedicado de sua mãe, que sofria de demência causada por um tumor no cérebro. Ele sacrificou suas próprias vontades e necessidades para cuidar dela até o fim, mesmo quando ela já não o reconhecia mais e o chamava de Richard, relacionando seu filho a um famoso astro de cinema humanitário e internacionalmente conhecido.
“Como deve ter percebido, minha mãe não esteve muito lúcida durante seus últimos anos de vida, e, quando a demência extrema se estabeleceu, ficou difícil de distinguir as fantasias de seus últimos dias do mundo real. Tudo ficou confuso com o tempo. […] Nós dois começamos a fingir. Ela fingia que eu era você, Richard Gere. Eu fingi que minha mãe não estava enlouquecendo. Fingi que ela não ia morrer. Fingia que não teria que enfrentar a vida sem ela. As coisas progrediram como dizem.“
Após a morte de sua mãe, Bartholomew encontrou uma carta de Richard Gere na gaveta de calcinhas dela. Ele interpretou isso como um sinal, uma conexão, acreditando que precisava se aproximar de Richard da mesma forma que sua mãe, em sua demência, pensava estar conectada ao ator.
Preocupado com o estado de Bartholomew, o padre de sua igreja o incentiva a fazer terapia com Wendy, para que ele pudesse entender que havia vida após tantos anos dedicando-se exclusivamente aos cuidados de sua mãe, mostrando que é possível fazer amigos e encontrar felicidade, mesmo aos 40 anos.
“Às vezes tenho a impressão de que simplesmente não acredito o bastante em nada a ponto de fazer uma contribuição significativa para o mundo, agora que já não tenho que cuidar da minha mãe.“
Nessa jornada de autoconhecimento e descoberta, Bartholomew começa a trocar cartas com Richard Gere, desabafando sobre sua vida cotidiana e pensamentos, embora nunca recebesse uma resposta. Essa correspondência unilateral ajudava-o a processar suas emoções e refletir sobre sua própria existência.
“Quando li isso, soube que o você-eu imaginário não foi um acidente, porque sempre fiquei paralisado por meus pensamentos obsessivos, e foi por isso que comecei com o jogo do você-eu Richard Gere quando minha mãe ficou doente. Sendo você, eu não tinha que pensar por mim mesmo, isso evitava que eu cometesse erros. Eu me perguntava se você já tinha brincado disso então me dei conta de que você é ator e faz isso o tempo todo, não é?“
Bartholomew é um homem de 40 anos que nunca teve amigos, nunca beijou uma mulher e não sabe como agir como adulto. Muitas vezes, ele se considera “retardado” e estranho, pois é uma criança no corpo de um adulto, forçado a lidar com responsabilidades desde muito cedo, o que moldou sua personalidade codependente. Isso o tornou incapaz de entender seus próprios sentimentos e vontades. Ele quer ajudar a todos sem ver maldade nas ações das pessoas, e muitas vezes não sabe como reagir a situações que exigem maturidade.
O mundo pelos olhos de Bartholomew é um mundo próprio, muito simples, assim como de uma criança. A forma dele enxergar as pessoas é ao mesmo tempo infantil e ingênua, se tornando muitas vezes complexa e com diversas inseguranças (que ele chama de “homenzinho furioso”, um sentimento que o deixa aflito e com dores no estômago em momentos de estresse, timidez ou irritação). Apesar de essa inocência ser incomum em um homem de 40 anos, achei o personagem interessante e curioso e é acolhedor ver a forma como ele amadurece ao longo dos capítulos.
“O homenzinho furioso no meu estômago chutou, socorro e gritou: idiota! Você não é nada parecido com o astro do cinema Richard Gere, nem com um personagem que ele está interpretando no filme, que é uma entidade completamente diferente (e fictícia!)! E você é apenas um idiota que finge não ser capaz de ver a diferença, porque não fez nada com a própria vida e nunca fará, por isso prefere a ficção a realidade.“
Buscando conforto no luto, Bartholomew cria uma nova codependência com Richard Gere, usando a carta que sua mãe recebeu como uma continuação dos sonhos dela e vendo isso como um destino a ser seguido. Através das cartas enviadas para Richard, a qual ele se auto intitulava “você-eu imaginário”, vemos a vida de um personagem que viveu quase toda a sua vida carregando fardos pesados, sempre colocando as necessidades dos outros acima das suas, apenas para ter companhia e alguém para cuidar, se preocupar ou ajudar de alguma forma.
Bartholomew criou uma amizade imaginária com Richard Gere, onde frequentemente ele o aconselha ou expressa pensamentos de como reagir a certas situações, participando de conversas que nunca existiram fora de sua imaginação, baseadas apenas nas notícias que lia na internet. Essa relação imaginária lhe dava um sentido de companhia e conselhos, ajudando-o a lidar com sua própria solidão e confusão emocional.
Todos os personagens de alguma forma possuem desequilíbrios emocionais/psicológicos, mas confesso que o autor pecou em não se aprofundar em histórias que mereciam mais atenção e que dariam um peso maior à narrativa se fosse explorado.
A todo momento o autor nos apresenta visões de diferentes mundos em que os personagens passam suas vidas tentando lidar com problemas pessoais, muitas vezes com traumas por não se encaixarem dentro do que a sociedade engloba como “normal” em um mundo que é diverso e, infelizmente, pouco inclusivo.
E o plot do livro me surpreendeu muito, realmente não esperava que o desfecho estivesse tão na cara. “A Sorte do Agora” aborda temas que são fundamentais para compreender a profundidade da história de Bartholomew e possui uma poderosa narrativa sobre auto descoberta, cura e a busca por um propósito, mostrando como o personagem tenta encontrar seu caminho em um mundo que ele mal entende, mas que está determinado a explorar.
“Haveria diferentes variáveis, uma equação totalmente diferente composta de circunstâncias muito distintas, o que era inevitável, porque a vida está sempre evoluindo e mudando, e, portanto, independentemente de quanto quiséssemos, nunca teríamos aquele momento outra vez. Mesmo que tentássemos recriá-lo com todas as nossas forças, chegando até a vestir a mesma roupa, falharíamos, porque não dá para derrotar o tempo, só é possível desfrutar dele sempre que dá, à medida que ele se estende indefinidamente.“
Início da Leitura: 26/06/2024
Término da Leitura: 28/06/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
Matthew Quick
Ano: 2015
Páginas: 224
Idioma: português
Editora: Intrínseca
Bartholomew Neil passou todos os seus quase 40 anos morando com a mãe. Depois que ela fica doente e morre, ele não faz ideia de como viver sozinho. Wendy, sua conselheira de luto, diz que Bartholomew precisa abandonar o ninho e fazer amigos. Mas como um homem que ficou a vida toda ao lado da mãe pode aprender a voar sozinho?