Em 1714, Addie LaRue tinha apenas 23 anos quando suplicou aos deuses por liberdade. Moradora de um vilarejo no interior da França, ela temia um futuro monótono, semelhante ao de seus antecessores. Todos na vila, incluindo suas famílias, permaneciam presos às mesmas terras, contando as mesmas histórias ao longo das gerações. Estele, uma residente anciã da vila, ensinou a Addie sobre deuses, pedidos e orações, mas sempre alertou que tais súplicas só deveriam ser feitas à luz do dia, pois os deuses que atendem à noite são perigosos, crueis e trapaceiros.
“Uma voz sobe como fumaça em seu peito. Nunca faça preces aos Deuses que atendem depois do anoitecer.“
Addie era uma sonhadora, curiosa e ávida por viver além dos limites da vila. Contudo, seu destino parecia selado: casar-se, construir uma família e perpetuar as “tradições”. Desesperada para se libertar dessa visão de futuro, Addie foge no dia do seu casamento e roga aos deuses da floresta, implorando por libertação. Ela não percebe, no entanto, que o crepúsculo está caindo, e seus pedidos acabam sendo atendidos pelas sombras ocultas na floresta.
“Não quero pertencer a ninguém além de mim mesma. Quero ser livre. Livre para viver e encontrar meu próprio caminho, para amar ou ficar sozinha, mas que seja por escolha própria. Estou tão cansada de não ter nenhuma escolha, tão assustada de ver os anos se passando diante dos meus olhos. Não quero morrer do mesmo jeito que vivi porque isso não é vida.“
Assustada pela criatura que invocou, Addie hesita, sabendo que não deve aceitar os termos dos deuses da noite. Mas, desesperada e sem esperanças de mudança, ela acaba cedendo e faz um pacto com a escuridão. Assim que aceita os termos, Addie desmaia, sendo consumida pelas sombras.
Quando acorda na mata, não sabe se seu pedido foi atendido. Ao retornar à vila, percebe que, embora tudo pareça igual, ninguém a reconhece. Sua memória se torna uma névoa para sua família e conhecidos. Assim que alguém fecha uma porta ou vira as costas para ela, sua imagem e as conversas desaparecem como fumaça, varridas por um vento que apaga o presente e o passado.
“Conta sua história para a pequena escultura, como se temesse esquecer a si mesma tão facilmente quanto as outras pessoas, sem saber que sua mente se tornou uma prisão inescapável, e sua memória, uma armadilha perfeita. Nunca mais vai se esquecer de nada, embora vá desejar ser capaz disso. […] Esquecer é uma coisa triste. Mas é muito solitário ser esquecido. Lembrar-se de tudo quando mais ninguém se lembra.“
A única lembrança de sua vida anterior é um anel dado por seu pai, um elo que a une a um passado que ela deseja esquecer, mas que constantemente a lembra de sua decisão pela liberdade. Qual é a maior liberdade senão a de não ter laços ou amarras no mundo?
Durante anos, Addie permanece acordada à noite, contando a si mesma histórias da garota que costumava ser, na esperança de preservar cada fragmento de sua memória. Mas o efeito é o oposto: ela nunca consegue colocar um fim nas coisas, nunca se despede, nunca tem um ponto final ou uma exclamação — apenas uma vida inteira de reticências.
“Pensa que ser esquecida é um pouco como enlouquecer. Você começa a se perguntar o que é real, se você é real. Afinal, como algo que não é lembrado pode existir? […] Cada momento ficou impresso na sua memória, enquanto ela mesma desaparece da memória dos outros sem o menor motivo, apagada por uma porta que se fecha, por se perder de vista por um segundo, por um momento de sono. Incapaz de deixar uma marca em qualquer pessoa, ou em qualquer coisa.“
Depois de anos sem conseguir me envolver completamente em uma romantasia, “A Vida Invisível de Addie LaRue” me surpreendeu. Apesar do livro ser quase um calhamaço, a leitura foi muito rápida, e toda vez que eu terminava um capítulo, ficava ansiosa para avançar um pouco mais na história de Addie. Esse livro já chamava minha atenção há muito tempo por sua capa, por isso nunca tinha lido a sinopse, resenhas ou algo do tipo. Essa decisão foi a melhor tomada, pois o desenrolar da história se tornou muito mais interessante.
Addie LaRue viveu por 300 anos, mas não senti que a personagem amadureceu da forma que deveria. Afinal, com sua imortalidade, ela passou por duas guerras, inúmeros conflitos, fome, frio, viveu nas ruas e sobreviveu. Durante toda a narrativa, ela manteve um jeito adolescente, resolvendo as coisas por teimosia ou por ser desafiada. Acredito que essas características poderiam ter sido melhor desenvolvidas, criando uma Addie madura, segura de si, menos cheia de desconfianças e muito mais forte.
Quanto a Luc, apesar de ser o vilão da história, ele se tornou meu personagem favorito. Gostei muito mais dele com Addie do que da história de amor dela com Henry. Luc, embora seja um deus, parecia mais um humano sombrio do que propriamente um ser fantasioso. No início, achei-o rude, sem compaixão e cruel, mas, conforme a leitura avança, esse lado sombrio deu lugar a sentimentos mais humanos, deixando brechas em suas características sombrias.
“Você acha que vai ficar mais fácil. Mas não vai. Você está condenado ao fim, e cada ano que viver vai parecer uma vida inteira, e a cada vida, você vai ser esquecida. A sua dor é em vão. A sua vida não tem sentido. Os anos vão pesar como grilhões nos seus tornozelos. Vão acabar com você, pouco a pouco, e, quando não conseguir suportar mais, você vai implorar para que eu acabe com seu sofrimento.“
A história de Addie com Henry não teve grandes avanços ou partes favoritas para mim. Achei-a rasa e óbvia demais. Henry, como personagem, me pareceu fraco, monótono e extremamente compassivo e submisso às opiniões alheias. Ele é afetado por tudo que falam ou sentem sobre ele, e, caso o sentimento não seja o que ele espera, já se sente insuficiente, perdedor e inútil.
Já com Luc, senti que a história poderia ter sido muito mais explorada. Afinal, ambos lidavam com a maldição de Addie e o pacto aceito por Luc, era como um fio que os unia de alguma forma, tornando-os ora amantes, ora inimigos. Esse morde e assopra ficou um pouco cansativo, mas deixou um gostinho de como esse “enemy to lovers” poderia ser aprofundado.
Henry, apesar de inicialmente parecer pouco aprofundado, foi o personagem que mais demonstrou amadurecimento. O breve acompanhamento da história que antecede seu pacto foi suficiente para entender como ele funciona psicologicamente. Henry aceitou um futuro breve e luta todos os dias com as consequências de sua decisão, sabendo o que esperar quando for a hora de pagar pelo pacto.
Um detalhe que só percebi aos poucos é que as divisões das sete partes do livro possuem ilustrações de momentos na história de Addie que se tornam marcos das lembranças dela pelo mundo. Mesmo sem ninguém se lembrar de quem é a misteriosa menina nos quadros, fotografias borradas e pinturas, essas imagens moldaram a história da arte durante séculos.
“Ainda sim, está ali, é real e, de certa maneira, lhe pertence. Um segredo guardado. Um registro. A primeira marca que ela deixou no mundo, muito antes de saber a verdade: as ideias são muito mais indomáveis do que as lembranças, elas anseiam e estão sempre à procura de novas formas de criar raízes.“
O final do livro é inesquecível, assim como a história de Addie. As últimas 100 páginas foram muito melhores que o restante do livro, com muito mais impacto e força na história. Apesar de Addie ter feito uma escolha que achei fraca e decepcionante, Henry roubou a cena, mostrando-se muito mais capaz e forte do que todos imaginavam. Ele transformou seu futuro, enquanto Addie, depois de 300 anos fugindo, simplesmente se entregou.
“Ela se recusa a chorar. Não vai lhe dar a satisfação de vê-la sofrer. Não vai lhe dar nada, nunca mais. É assim que a batalha começa. Ou melhor, é assim que acaba. Afinal, a maioria das guerras não acontecem da noite para o dia. Elas são engendradas com o passar do tempo, enquanto os lados coletam a lenha e avivam as chamas. E esta foi uma batalha forjada por séculos. Tão antiga e inevitável quanto a transformação do mundo, o fim de uma era, o confronto de uma garota com a escuridão.“
Início da Leitura: 31/06/07/2024
Término da Leitura: 04/07/2024
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral
V. E. Schwab
Ano: 2022
Páginas: 504
Idioma: português
Editora: Galera
Em um momento de desespero, uma jovem chamada Adeline encontra um perigoso estranho e comete um erro ao firmar um pacto com ele. Ao se dar conta das limitações da sua barganha faustiana, Addie decide fugir da sua cidade natal, uma vez que a vida que conhecia desmorona a cada dia mais ao seu redor.