Você não pode viver na escuridão e se sentir bem consigo mesma.
Brincar nos túneis subterrâneos que conectavam os porões das casas já fazia parte de uma antiga tradição em Pantown, uma herança da fábrica de mineração que, no passado, ligava as moradias dos trabalhadores ao local de trabalho. Mas, assim como os túneis que guardam segredos sob a cidade, Pantown também tem suas próprias regras não ditas. Lá, a infância das meninas tem um prazo de validade curto: até os 14 ou 15 anos, todas são tratadas como crianças; depois disso, passavam a ser vistas e desejadas como mulheres. E os homens… bem, a verdade é que a natureza deles sempre foi mais bruta, violenta.
Elizabeth trabalha em uma lanchonete na cidade e passa os dias contando as horas para finalmente deixar Pantown. Sonha com a faculdade, com a liberdade de estar longe dali e, principalmente, com o momento em que poderá se livrar do namorado por quem já não sente nada. Convidada pelos colegas de trabalho para a tradicional festa nas pedreiras, uma das mais famosas da cidade, Elizabeth hesita. A ideia é tentadora, mas o cansaço fala mais alto. No fim, ela decide ir direto para casa e descansar.
Ao sair do turno, cruza com um homem que já havia visto antes na lanchonete, talvez uma ou duas vezes, sempre em sua baia. Ele lhe oferece uma carona, mas ela recusa. Algo dentro dela a alerta para voltar à lanchonete ou, talvez, seguir para a festa nas pedreiras. Mas antes que pudesse decidir, o homem já estava ao seu lado. O golpe foi rápido e certeiro contra sua garganta. E então, tudo se apagou.
Quando despertou, a dor em seu corpo era insuportável, e a escuridão ao seu redor parecia infinita. O ar era pesado, e o silêncio, sufocante. Aos poucos, Beth percebeu a verdade aterradora: estava presa em um quarto sem janelas, cercada por paredes de tijolos intransponíveis e um chão de terra fria. E, pior do que tudo, compreendeu que, se não encontrasse uma maneira de escapar, jamais voltaria a ver a luz do dia.
“Era um vazio infinito, um espaço tão escuro que, a princípio, achou que estivesse caindo. Esticou as mãos adiante, arranhando o chão pegajoso e sujo. Quando piscou, não conseguiu distinguir nenhuma forma, apenas uma sufocante escuridão eterna.”
Com a notícia do desaparecimento de uma garota da cidade e os rumores de que um assassino procurado em todo o país poderia estar à espreita em Pantown, Heather, Brenda, Claude e Junie decidem reviver uma brincadeira da infância. Explorar os túneis subterrâneos e brincar de pique-TV sempre fora algo comum, mas, naquela noite, a escuridão parecia mais densa, e o silêncio, mais ameaçador.
Durante a brincadeira, Heather acaba se perdendo e vira em uma quadra desconhecida, sem enxergar nada à sua volta. O silêncio da escuridão é cortado por um barulho próximo. Seu coração dispara. Antes que possa reagir, Brenda surge do nada e a manda ficar quieta. Ouvindo passos vindos de uma porta próxima, Junie – a irmã de Heather – decide ir além da brincadeira. Sem ter nada a temer, corre até a porta de onde vêm os sons e, sem pensar duas vezes, gira a maçaneta, pronta para assustar quem estivesse do outro lado.
Mas ninguém esperava que a porta estivesse destrancada.
Quando a luz estroboscópica e a música invade a escuridão dos túneis, a cena diante delas é um pesadelo: três homens nus da cintura para baixo, em fila, e, à frente deles, ajoelhada e de costas, uma garota que deveria ter a idade delas.
Somente Heather e Brenda veem tudo claramente, mas, pelo bem da garota, que elas têm certeza de que era Maureen, escolhem fingir que nada aconteceu. Heather sempre sentiu que Maureen estava diferente desde que começou a andar com Ricky, Ant e Ed, garotos mais velhos que exerciam uma influência silenciosa sobre ela. Mas jamais poderia imaginar que essa mudança – e tantas outras que vieram à tona com o tempo – escondiam um segredo tão grande e assustador.
“Queria acreditar nisso, me apegar a essa ideia, portanto, lutei com outras dúvidas sussurrando para mim mesma que fazia muito tempo que Maureen e Brenda vinham escondendo as coisas de mim, e que, se eu empurrasse com muita força, se cavasse bem fundo, descobriria que o que realmente estava acontecendo é que elas tinham crescido sem mim. Esse era um segredo que eu não queria descobrir.”
Formando a banda “As Garotas da Pedreira”, com Heather na bateria, Maureen no vocal e Brenda na guitarra, as meninas finalmente conquistam um grande passo quando Ricky as convence a se apresentar no festival da cidade, um convite especial que Ed conseguiu para elas. Empolgadas com a ideia de tocar para um grande público, elas aceitam a oportunidade, e no dia seguinte, vão para o palco com a energia de quem está prestes a conquistar o mundo.
Porém, quando chegam ao palco, uma estranha interação entre Maureen e o xerife chama a atenção. Algo muda na postura de Maureen, que perde o sorriso e fica visivelmente desconfortável. Após a apresentação, todas são convidadas para uma festa na clareira das pedreiras para comemorar com Ed, Ricky e Ant.
Entre cigarros de maconha e bebidas fortes, Heather se afasta com Ant até um chalé isolado na floresta. Lá, ela vive seu primeiro beijo – mas também experimenta seu primeiro trauma. Ant a obriga a ser fotografada sem blusa, um momento que deixa uma marca profunda em Heather, alterando sua percepção de tudo e a colocando em um caminho sombrio que ela jamais imaginaria.
Na manhã seguinte, prestes a ensaiarem para outra apresentação no festival, Heather e Brenda vão buscar Maureen em sua casa. Quem atende a porta é a mãe de Maureen, que avisa que sua filha ainda está dormindo, mas que as meninas podem subir para chamá-la. No entanto, ao abrirem a porta do quarto, não encontram nenhum sinal da amiga.
O desconforto vira desespero. Será que Maureen também se tornou uma das meninas desaparecidas? Com medo de que a amiga esteja morta, Brenda e Heather chamam o xerife para relatar o desaparecimento. Mas quando Brenda vê o homem uniformizado à sua frente, ela trava. Ela se vira para Heather e, com a voz trêmula, revela algo impossível: um dos homens no porão naquela noite era o xerife Nillson.
Confusão, dedo no c* e gritaria! Essa é a energia caótica que senti ao ler esse livro. A história de “Garotas na escuridão” é um thriller inspirado em um crime real ocorrido em 1975 na cidade de Saint Cloud, Minnesota, em que Lloyd Welch, um funcionário de um parque de diversões itinerante, sequestrou, estuprou e assassinou várias meninas em uma pedreira.
A autora conseguiu transformar a narrativa em um labirinto psicológico de desconfiança, tensão e revelações de uma forma que nunca tinha lido em um suspense. Ela possui o dom — e quando eu digo DOM, é com letras maiusculas — de nos deixar em estado de alerta constante. Você começa achando que tem uma pista. Que tem uma teoria boa. Que já entendeu o que está acontecendo. Aí ela vem, estala o enredo inteiro, joga a dúvida pra outro personagem, outro detalhe, outro tempo, e você? Você fica ali, desacreditado, confuso, repensando tudo.
“Tinha sido sempre assim? Brilhante e alegre na superfície, escuro e decadente por baixo? Seria assim em todo o bairro, ou eram os túneis que teriam amaldiçoado Pantown, enfraquecendo nossa fundação desde o começo? Foi aí que entendi a verdade nua e crua de tudo: os homens no comando estavam cuidando dos interesses deles. Nós estávamos por nossa própria conta, as garotas de Pantown.”
A narrativa cria esse efeito dominó: você acredita conhecer cada um dos personagens, afinal, todos viveram no mesmo lugar, compartilham histórias e memórias… mas, aos poucos, percebe que os segredos são como portas fechadas. E quando essas portas finalmente se abrem e a luz entra, o que se revela é chocante, é real, é humano — e completamente imprevisível.
O bairro de Pantown ganha quase um papel de protagonista na história. Seus costumes particulares, suas regras silenciosas, seus segredos empedrados… tudo isso vai sendo escancarado conforme os escândalos vêm à tona. É como se cada padrão, cada fachada construída com tanto cuidado, fosse se esfarelando para dar lugar à verdade crua e muitas vezes incômoda.
“Naquele verão, no verão de 1977, tudo tinha arestas. O gume afiado levou minhas amigas. E, uma vez que você entende a verdade, não há como viver de nenhum outro jeito.”
Se você, assim como eu, curte thrillers que mexem com sua cabeça, baseados em histórias com crimes reais, com personagens complexos e múltiplas camadas de mistério, esse livro não só vai te prender… ele vai te arrancar da zona de conforto, te virar do avesso e te deixar pensando por dias!
Início da Leitura: 23/01/2025
Término da Leitura: 26/01/2025
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral

Jess Lourey
Ano: 2024
Páginas: 336
Idioma: português
Editora: Darkside
Saint Cloud, Minnesota, 1977. Para os adolescentes de Pantown, o verão significa liberdade e diversão, mas nesse verão nada será como antes. A vida de toda uma cidade e seus habitantes será transformada para sempre — para o bem e para o mal.