Catarina trabalha em um grupo que desenvolve projetos comunitários com potencial de impactar a cidade onde vivem. Apaixonada pelo que faz, ela sempre acreditou que mudanças reais começam nas pequenas ações, mesmo que, às vezes, o mundo pareça insistir em fazer tudo mais difícil.
Sendo uma mulher PCD, Catarina precisou lutar todos os dias para ser reconhecida não apenas como alguém capaz, mas como alguém inteligente, talentosa e indispensável. Ela batalhou muito para conquistar respeito, e não está disposta a aceitar menos do que merece.
Mas há algo — ou melhor, alguém — que tira Catarina do sério como nenhuma reunião mal planejada jamais conseguiria: João Pedro da Silva. Ou, como é conhecido no escritório, JPS. Sim, ele tem nome composto. E sim, ele é o típico sujeito que insiste em estar presente, mesmo quando ninguém pediu.
Na cabeça de Catarina, homens com nomes bíblicos só servem para duas coisas: fazer a gente se apaixonar… e trazer problemas logo em seguida. E JPS parece ter feito disso uma missão pessoal. Ele é implicante, irritante, e pior de tudo parece saber exatamente quais botões apertar para deixá-la fora de si.
Quando Catarina é escolhida para liderar um projeto de grande impacto, uma chance de ouro para alavancar sua carreira, ela mal tem tempo para comemorar. Porque o universo, com seu senso de humor duvidoso, decide que ela vai dividir a sala e a responsabilidade com ninguém menos que… JPS.
Karma? Talvez. Mas Catarina precisará lidar com sua aversão antes que o pior aconteça.
“E lá vou eu adicionar mais um motivo a lista de ‘coisas que fazem o João Pedro da Silva ser insuportável’: ele é tão insuportável que sempre antes de dormir penso nas insuportabilidades dele, só para garantir que eu tenha pesadelos. Como se eu já não tivesse material suficiente na vida real.”
Tenho alguns pontos importantes sobre “Interseção”, e, infelizmente, eles não são tão positivos quanto eu esperava, especialmente considerando que se trata de um romance com protagonismo PCD, algo que, por si só, já carrega uma responsabilidade significativa.
Vamos começar com Catarina. A personagem é completamente chata, irritante e vive constantemente mal-humorada. Tudo a incomoda. Ela vive criando situações de convivência desnecessárias, sendo grosseira com os outros e, francamente, insuportável. Para uma mulher que se apresenta como alguém resolvida com sua deficiência e defensora da causa, Catarina transparece uma insegurança enorme e o pior: usa sua deficiência mais como palco para se colocar em destaque ou se vitimizar. A sensação constante é de que qualquer olhar é interpretado como julgamento da sua capacidade, quando, na realidade, pode ser apenas… um olhar.
Ela não transmite empoderamento algum. Ao contrário, suas atitudes são a todo momento hostis e desproporcionais, como se ser grosseira fosse sinônimo de ser forte — o que não é. Ao longo da narrativa, Catarina passa mais tempo reclamando do que qualquer outra coisa. Reclama de JPS, reclama dos problemas, do trabalho, do vento, da existência humana… absolutamente tudo é motivo para um comentário azedo.
E se isso já não fosse o bastante, ela tenta, o tempo todo, ser irônica. Força piadas e citações bíblicas em praticamente todas as páginas. No início, pareceu uma tentativa de humor peculiar até demais, mas rapidamente se tornou algo repetitivo, forçado e cansativo.
Tudo precisa ser do jeito dela. E qualquer tentativa de quebrar esse padrão vira mais um monólogo sobre como o mundo está errado. A rivalidade com JPS, que poderia render um bom “enemies to lovers”, se perde completamente. O romance não tem ritmo, não tem tensão, não tem sentido. É mais “rivais to no sense love” do que qualquer outra coisa.
E quanto ao JPS… olha, que homem calmo. De verdade. Acho que, se não fosse pelo senso de humor dele e essa vibe tão leve de quem enxerga o mundo com bons olhos e ainda acha graça de tudo, eu mesma não teria aguentado um minuto ao lado da Catarina. Porque, sinceramente, quem é que consegue conviver com alguém que você tenta, a todo custo, se aproximar com gentileza, com paciência, e a pessoa simplesmente cria, pelas vozes da própria cabeça, uma razão para te odiar… enquanto, ao mesmo tempo, está claramente apaixonada?
Alô, é da terapia? Porque não dá pra viver um romance só no caos mental de uma das partes. JPS tentou, e tentou muito. E talvez o maior mérito dele na história tenha sido exatamente esse: não surtar com tudo aquilo. Um verdadeiro sobrevivente emocional.
Não tem muito o que dizer sobre o livro quando a maior parte dele se resume a esse ciclo exaustivo de reclamações, embates forçados e auto sabotagens emocionais. Mas, confesso isso até um pouco a contragosto, o romance, depois que finalmente se desenrola, se torna bem gostoso de acompanhar. Talvez porque Catarina, por fim, tenha baixado um pouco a guarda. Ela abre brechas no muro que construiu ao redor de si mesma e começa a enxergar coisas que antes não via, talvez porque estava ocupada demais surtando e tentando encontrar motivos para detestar o JPS.
E, nesses momentos mais leves, mais humanos, onde ela começa a permitir que o afeto entre sem tanto filtro, o livro ganha uma nova energia. É como se, finalmente, a história tivesse espaço pra respirar. Uma pena que isso não tenha se desenrolado desde o começo do livro, pois tinha uma grande chance de ser um romance perfeito em suas imperfeições.
“No filme das nossas vidas, não há mais espaço para vilões. Não há espaço para separações, distância. Eu não quero ser a pessoa que assiste a tudo inerte, porque tem medo de dar o próximo passo. E eu nunca dou o primeiro. Mas não quero ser quem impede a caminhada. Porque se há alguém com quem pretendo caminhar é ele.”
Início da Leitura: 31/03/2025
Término da Leitura: 01/04/2025
Classificação final:
Escrita
Personagens
Enredo
Geral

Vanessa Reis
Ano: 2024
Páginas: 294
Idioma: português
Editora: Verus
Catarina tem aversão a apenas duas coisas: admitir que está errada e homens com nomes bíblicos. Até ser forçada a dividir uma sala pequena demais para abrigar a teimosia dela e o ego de seu novo colega de trabalho: JPS, o terceiro item recém-adicionado à sua lista de aversões.